Olá! Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo. Ao utilizar este site, você concorda com o uso de cookies.

Boa tarde, Quinta Feira 10 de Outubro de 2024

Menu

Sinop

Médica dá alta e recomenda ‘sopinha’ para paciente com AVC hemorrágico

Após retornar à UPA, com o quadro ainda mais grave, paciente teve seu pedido de UTI negado pela justiça

Saúde | 29 de Junho de 2023 as 18h 43min
Fonte: Jamerson Miléski

Foto: Divulgação

O iminente risco de morte de uma paciente de Sinop foi ignorado pela medicina e pelo judiciário, no que pode ser encarado como um caso duplo – ou até triplo – de negligência. A vida que não foi protegida pelos aparelhos de Estado é de Maria Eunice de Souza Silva, uma mulher de 64 anos de idade, que no seu auge produtivo trabalhou em madeireira e que atualmente mora em um sítio na Gleba Mercedes, há 100 km do centro de Sinop. Maria Eunice chegou em Sinop no começo da década de 80, mas no seu caso o “pioneirismo” não ajudou a lhe conferir qualquer prestígio.

Na manhã de quinta-feira (22), Maria não se sentiu bem. Dor de cabeça, tontura e sangue saindo pela boca. Seu marido estava na cidade. Sozinha, caminhou até um vizinho onde pediu ajuda. Foi levada às pressas para a UPA 24h.

Ela chegou à unidade por volta das 9h30. Estava consciente, andando e falando, mas com a pressão bastante alta. Recebeu atendimento médico, sendo encaminhada para soroterapia. Já havia passado da meia noite quando a médica Maria de Fátima de Melo Mendes avaliou novamente a paciente e decidiu dar alta. “A médica falou que era para eu levar minha mãe para casa e dar uma sopinha, que era por isso que ela estava dormindo”, revelou o filho de Maria Eunice, Ezequiel Duarte da Silva.

Além de recomendar “sopinha”, a médica prescreveu apenas HCTZ 25 (Hidroclorotiazida 25mg), medicamento com efeito diurético, comumente utilizado no tratamento de pressão alta.

Maria Eunice foi levada para a casa da filha, no Bairro Boa Esperança. Na manhã de sexta-feira (23), Ezequiel teve que insistir para acordá-la, deu um banho nela e a levou novamente para UPA. Maria já estava respondendo menos quando deu entrada, por volta das 9h da manhã. Ezequiel disse que outra médica avaliou os exames da mãe e se assustou em saber que a paciente foi mandada para casa.

Uma tomografia de crânio foi realizada ainda na sexta-feira. O exame apontou um possível AVC (Acidente Vascular Cerebral), com hemorragia dentro do crânio. O diagnósticos foi inicialmente apontado pela médica Juliana Denardim, no sábado (24) e referendado pelo médico José E.S. Neto no dia 25. Os médicos, agora, afirmavam que Maria Eunice precisava urgentemente ser internada em um leito de UTI e passar por uma neurocirurgia, com eminente risco de morte e de sequelas permanentes.

O atendimento inicial da UPA 24h, ironicamente, tirou 24 horas de Maria Eunice nessa corrida pela vida. Já no atraso, a família da paciente é informada pela central de regulação que não existem vagas de UTI disponíveis para recebe-la. “Primeiro cogitaram remover ela para Nova Mutum, depois para Colíder, mas nenhum deu certo”, conta Ezequiel.

Desesperados, os filhos recorrem a Defensoria Pública, para tentar ter o direito à saúde pública adequada através do Poder Judiciário. Baseado nos laudos médicos que apontavam urgência com risco de morte, a Defensoria ingressou com o pedido no Fórum da Comarca de Sinop à meia noite de sábado (24). O clamor era pela transferência para um hospital onde houvesse um leito de UTI – fosse da rede pública ou privada.

O pedido foi recepcionado pelo juiz de plantão, Mario Augusto Machado. Por volta das 10h de domingo (25), o magistrado negou o pedido, afirmando que Maria Eunice já se encontrava em um leito de observação na UPA 24h, que já havia passado por um exame de tomografia e, portanto, a paciente estava sendo devidamente atendida. “Consta dos autos que a autora já está ‘regulada’ e a Central Estadual de regulação se encontra empenhada na busca de vaga em UTI, não havendo demonstração inequívoca de descaso dos entes públicos em prestar assistência à saúde da autora”, redigiu Mário Machado em sua decisão.

O juiz deu ainda prazo de 72 horas – ou seja, 3 dias – para o Estado e a prefeitura prestarem informação sobre o caso.

A Defensoria recorreu e a decisão foi revertida pelo Tribunal de Justiça. Ainda no domingo, por volta das 16h, uma liminar expedida em segunda instância dava prazo de 24 horas para transferir Maria Eunice para um leito de UTI. Apenas na segunda-feira (26), por volta das 16h30, é que a família recebeu a confirmação de que a paciente seria transferida para o Hospital Regional de Sinop. Ela entrou efetivamente na unidade as 20h14 de segunda-feira – ou seja, 4 dias e 11 horas depois de entrar na UPA com um AVC.

A espera cobrou um preço. Maria Eunice estava com um quadro de coma quando entrou no Hospital Regional. Segundo Ezequiel, que visitou a mãe na manhã desta quinta-feira (29), os médicos já falam em lesão permanente no cérebro, caso sobreviva. O risco de morte ainda existe. “Disseram que ela foi colocada em coma induzido, para desinchar o cérebro. O neurologista disse que não pretende operar por enquanto, por causa do risco. O sangue coagulou dentro do crânio, então também não é possível drenar. Os médicos falam em manter ela estável e tratar para ver se o organismo dela absorve um pouco do coágulo”, revela Ezequiel.

Temerosos, os 6 filhos de Maria Eunice aguardam agora por um milagre, divino e médico, para ter a mãe de volta.

 

A UPA e a secretaria de Saúde

A Unidade de Pronto Atendimento 24h de Sinop é de gestão municipal, mas gerenciada de forma terceirizada, pelo IGPP (Instituto de Gestão de Políticas Públicas), uma empresa classificada como OSS (Organização Social de Saúde). O IGPP foi contratado “às pressas”, sem licitação, em maio de 2022, pelo período de 6 meses. Quando o prazo acabou, um novo contrato de urgência foi feito, por mais 6 meses, também sem licitação. Esse contrato teria encerrado em maio, e Maria Eunice recebida por outra equipe de saúde na UPA. Mas a secretaria de Saúde renovou o contrato, novamente sem licitação, por mais 6 meses – subindo o valor de R$ 5 milhões por mês para R$ 5,4 milhões. O contrato inclui a gestão da UPA e de outras unidades de saúde da rede municipal.

O GC Notícias buscou um posicionamento da secretaria de saúde do município, através da assessoria de comunicação da prefeitura. A informação preliminar é de que a secretária de Saúde, Daniela Galhardo, teria solicitado ao Responsável Técnico da UPA, um relatório referente aos primeiros atendimentos realizados com a paciente Maria Eunice, para saber então quais caminhos adotar – se instaura ou não uma sindicância.

Só neste ano já foram dois casos de atendimentos médicos “controversos”, registrados na UPA 24h, que ganharam repercussão.