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Decisão

Justiça do Trabalho determina que 'filha de criação' receba R$ 50 mil de indenização por atuar como empregada doméstica

Política | 09 de Outubro de 2025 as 07h 45min
Fonte: Redação G1

Foto: Reprodução/TV Bahia

A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT-BA) determinou uma mulher receba uma indenização de R$ 50 mil após reconhecê-la que ela não era "filha de criação" de um casal. A decisão cabe recurso.

Segundo o TRT-BA, a mulher morava em Lamarão, no interior do estado, e foi levada para Salvador, em 2000, quando tinha apenas 6 anos, para morar com o casal.

Ainda de acordo com o órgão, ela era apresentada para as outras pessoas como filha ou empregada a depender da situação.

O TRT-BA informou que inicialmente, a menina viajou para Salvador para auxiliar o patrão, que havia sofrido um acidente. Com o tempo, passou a viver de forma definitiva na casa e, em 2003, o casal obteve sua guarda. A partir daí, ela passou a trabalhar para a família.

A menina realizava tarefas domésticas, sendo ensinada por empregadas que já trabalhavam no local. Precisava acordar às 4h para preparar o café da manhã da família antes de a patroa sair para o trabalho.

Em alguns anos estudava pela manhã, em outros à tarde, e o período de aula era o único momento de “descanso” entre os afazeres, que iam até a noite.

Aos 15 anos, quando nasceu o neto dos patrões, foi obrigada a deixar os estudos temporariamente para cuidar do bebê. Concluiu o Ensino Médio apenas quando tinha 24, por meio de supletivo.

Segundo ela, também era destratada. Em 2020, ao questionar sua situação, foi expulsa de casa.

“Como uma filha”

O Tribunal Regional do Trabalho da Bahia informou que os patrões alegaram que conheciam a menina desde cedo, pois visitavam Lamarão com frequência, e que a mãe dela a entregou porque que a família passava fome. Disseram que a receberam apenas com a roupa do corpo e uma sandália nos pés.

Segundo eles, a jovem era tratada "como uma filha", não precisava acordar cedo para fazer café, frequentava a escola, brincava e chegou a fazer um curso técnico de enfermagem pago por eles.

Disseram ainda que o comportamento dela mudou em 2018, quando começou a namorar um vizinho.

Decisão

Para a juíza Viviane Martins, da 12ª Vara do Trabalho de Salvador, é necessário analisar fatores socioeconômicos, históricos e culturais na aplicação do direito, em uma perspectiva antidiscriminatória.

Segundo a juíza, as testemunhas comprovaram que a mulher nunca foi tratada como filha ou irmã. Ela explica que de acordo com o que dito por uma testemunha a mulher passou a ser vista como um peso para a família pela sua presença sem a realização das atividades domésticas.

O “irmão”, segundo seu próprio relato, “tomou as rédeas” e decidiu expulsá-la, sem se preocupar com seu destino. Outra testemunha, amiga da dona da casa há mais de 15 anos, nem se lembrava do nome da jovem.

A juíza fez um paralelo com a pesquisadora Grada Kilomba, que relata ter sido convidada aos 12 anos para acompanhar uma família em viagem de férias, mas, na prática, para prestar serviços domésticos à família de um médico.

Para a magistrada, a menina negra deixou de ser vista como criança e passou a ser tratada como “corpo disponível para o trabalho”. Ela determinou que fosse reconhecido o vínculo de emprego, com anotação em carteira, pagamento de salários e indenização por danos morais no valor de R$ 100 mil.

Primeira Turma

Os patrões recorreram, e o caso foi julgado pela 1ª Turma do TRT-BA. A relatora, juíza convocada Dilza Crispina, destacou que a prática de “adoção” de meninas do interior ou de periferias por famílias de centros urbanos, sob promessa de acesso à educação e mobilidade social, é comum no Brasil.

“Essas crianças acabam submetidas a precárias relações de trabalho doméstico infantil que perpassam aspectos relacionados à herança colonialista/escravista”, destacou.

A relatora manteve o reconhecimento do vínculo de emprego, reforçando que a menina nunca foi integrada à família como filha ou irmã. Porém, considerou que o valor da indenização ultrapassava a capacidade econômica dos patrões e reduziu para R$ 50 mil.

A decisão foi unânime quanto ao vínculo de emprego e por maioria quanto ao valor da indenização.