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Bom dia, Sexta Feira 10 de Outubro de 2025

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Violação trabalhista

Governo faz maior resgate do ano: 586 trabalhadores são libertos da escravidão em usina de etanol no MT

Caso foi descoberto após incêndio no dia 20 de julho; MTE resgatou mais 23 trabalhadores após novos desdobramentos

Política | 10 de Outubro de 2025 as 08h 30min
Fonte: PEDRO STROPASOLAS / BRASIL DE FATO

Foto: Vagner Teixeira Maciel - GSI/Procuradoria-Ge

Auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego resgataram 586 trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão em um canteiro de obras de uma usina de etanol em Porto Alegre do Norte (MT).

A operação, iniciada em 20 de julho e concluída nesta terça-feira (7), foi conduzida pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) e pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Mato Grosso (SRTE/MT), com apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Federal (PF).

A investigação começou em julho de 2025, após um incêndio em alojamentos onde os operários viviam. Segundo a fiscalização, os espaços eram superlotados, sofriam falta constante de água e energia elétrica e estavam em condições precárias de higiene. A empresa chegou a utilizar água retirada de um rio, sem tratamento, para abastecer os tanques.

Durante o incêndio, a Polícia Militar (PM) chegou ao local antes dos bombeiros e, segundo relatos, atirou balas de borracha e ameaçou os trabalhadores, que perderam pertences e documentos pessoais. Alguns trabalhadores chegaram a ser detidos por até três dias.

Após o episódio, 17 pessoas foram demitidas por justa causa, sem provas de envolvimento no incêndio, segundo os auditores fiscais.

De acordo com a auditora fiscal Flora Pereira, coordenadora da operação, o caso se destacou pela complexidade e pela informalidade em todas as etapas da relação de trabalho — da contratação até as demissões.

“A ação fiscal teve início com vistas a investigar o que teria acontecido com os trabalhadores após o incêndio do alojamento. Ao chegarmos em Porto Alegre do Norte nos deparamos com uma situação bastante precária, os trabalhadores estavam em condições degradantes, muitos em colchões no chão, sem cama, sem roupa de cama”, explica Pereira.

“Foi uma das ações mais complexas dos últimos anos, não apenas pelo número de vítimas, mas pela completa ausência de registros formais e pelo descumprimento sistemático dos direitos trabalhistas”, completa.

Aumento no número de trabalhadores resgatados

Os trabalhadores eram contratados pela TAO Construtora para a construção de uma usina de etanol da 3tentos. O Brasil de Fato noticiou este caso no início de agosto, revelando o número de 563 trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão. No decorrer da operação, no entanto, foram identificadas irregularidades na situação de mais 23 trabalhadores, chegando ao total de 586 resgatados.

O aumento do número de trabalhadores, segundo Flora, se deu após sua equipe identificar um sistema clandestino de controle de jornada, conhecido entre os trabalhadores como “ponto 2”, usado para mascarar horas extras não pagas. Entre fevereiro de 2024 e julho de 2025, a empresa deixou de pagar milhões em verbas trabalhistas, incluindo FGTS, férias, 13º salário e descanso semanal remunerado.

“Nos deparamos com a questão da jornada exaustiva, que foi confirmada com vários pagamentos por fora, no montante superior a R$ 3,9 milhões de pagamentos feitos por fora, mais de 177 mil horas extras que não foram computadas no sistema oficial da empresa, e então a gente fez esse resgate que começou com 563 trabalhadores e chegamos a um número final de 586 trabalhadores”, destaca a auditora que coordenou a ação.

Os depoimentos dos trabalhadores, segundo o MTE, revelaram jornadas exaustivas, que chegavam a 16 horas diárias, inclusive aos domingos. Um motorista contou trabalhar das 5h às 21h, com apenas uma hora de intervalo.

A Inspeção do Trabalho determinou o pagamento de indenizações e verbas rescisórias que somam R$ 7,7 milhões e a retificação das demissões por justa causa. Todos os trabalhadores resgatados receberam guia de Seguro-Desemprego, em três parcelas de um salário mínimo.

Dos 586 resgatados, 96% se autodeclararam negros e apenas três eram mulheres, que atuavam como cozinheiras.  Segundo Flora, eles foram contratados principalmente no Maranhão, na Bahia e no Piauí, e esse acerto foi feito somente de forma verbal.

“Os trabalhadores tinham que arcar com os custos da viagem e da alimentação para chegar até Porto Alegre do Norte. E a carteira realmente só era assinada quando eles chegavam lá. Esses valores, ou eram pagos diretamente pelos trabalhadores, ou eram custeados pela empresa e descontados nos primeiros salários. Isso também foi um ponto que a auditoria fiscal pediu regularização e está fazendo a fiscalização com relação à devolução dos valores das passagens e o valor da alimentação na viagem”, destacou a auditora.

Desde 1995, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel já libertou mais de 68 mil trabalhadores de situações análogas à escravidão em todo o país.

Outro lado

A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a 3tentos em agosto de 2025, quando foi efetuado o primeiro resgate. A empresa disse ter adotado “uma série de ações para apurar os fatos e avaliar medidas cabíveis”.

“Prezamos pela dignidade de todas as pessoas envolvidas em nossas operações, sejam elas diretas ou indiretas. Práticas que violem os direitos humanos e trabalhistas são incompatíveis com os valores da companhia. Reafirmamos nosso compromisso com a transparência, a segurança e o respeito às pessoas em todas as nossas operações”, diz o comunicado enviado ao BdF na época.

Já a TAO Construtora disse, por meio de nota enviada também em agosto de 2025, que colabora desde o início com a fiscalização, mas que “até o momento, não há autuação formal contra a empresa”.

“A empresa firmou, com o Ministério Público do Trabalho, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com caráter emergencial e reparatório, sem confissão de culpa, como forma de garantir suporte imediato aos trabalhadores e manter seu compromisso com a transparência e o diálogo. A TAO Construtora repudia veementemente qualquer prática análoga à escravidão ou tráfico de pessoas”, sinalizou na nota.

O Brasil de Fato procurou novamente as empresas para pedir um novo posicionamento após o aumento do número de trabalhadores resgatados para 586. Até o fechamento e publicação da reportagem, não houve retorno. O espaço segue aberto às manifestações.