Sinop
Com Zé Ramalho, juiz escracha aumento no salário dos vereadores
Magistrado diz que aumento foi feito na calada da noite e considera um desrespeito ao contribuinte
Política | 27 de Janeiro de 2022 as 18h 34min
Fonte: Jamerson Miléski
Em uma decisão judicial que mescla versos de Zé Ramalho com um “puxão de orelha”, o juiz da 6ª vara da Comarca de Sinop, Mirko Gianotte suspendeu o reajuste salarial que os vereadores do município concederam a eles mesmos. A decisão liminar, que em alguns trechos soa como uma coluna de jornalista revoltado, se vale de figuras da cultura popular para conspurcar a atitude dos vereadores.
O alvo da ação popular julgada por Mirko foi a lei 3.043/2021, que concedeu um reajuste salarial de 6,98% para os vereadores, a título de reposição pelas perdas da inflação – algo que já ocorreu em 2014. A lei foi votada em 17 de dezembro de 2021, tendo a aprovação de 12 dos 15 vereadores. Hedvaldo Costa foi o único contra. Juliana Centena e Célio Garcia estavam ausentes.
Na prática, a lei aumentou em cerca de R$ 700,00 o salário de vereador e em R$ 900,00 o do presidente. Via de regra, o salário dos vereadores, e demais agentes políticos (prefeito, vice e secretários), são reajustados apenas uma vez a cada 4 anos. A atual legislatura vota, um ano antes da eleição, os salários que os próximos eleitos irão receber.
Mirko frisou essa regra estabelecida na Constituição Federal para basear sua decisão. O magistrado deixou claro que a revisão geral, que corrige a inflação, não se aplica aos vereadores. Além de ilegal, o juiz também considerou a atitude imoral. “A vigência [do aumento] iniciou-se a partir de 1 de janeiro de 2022! 1º de Janeiro?. Quando me deparo com essa data e as circunstâncias que envolvem 1º de Janeiro, me lembro do grande Cantor Paraibano, Zé Ramalho: ‘Mistérios da meia-noite. Que voam longe. Que você nunca. Não sabe nunca. Se vão, se ficam. Quem vai, quem foi’ (sic). Muitos dos munícipes ainda trocavam votos de saúde e prosperidade para o ano novo que se descortinava, só não esperavam que este viria com velhas verdades disfarçadas de novas”, disparou o magistrado em sua sentença, continuando com uma citação à uma personagem do humorista Chico Anysio. “Bento Carneiro, o vampiro brasileiro dizia: ‘as coisa neste país acontece dispois das dolze badalada noturnica’ (sic)”.
Além de evidenciar que o aumento foi concedido no apagar das luzes do ano legislativo, Mirko também frisou a incoerência dos vereadores. O magistrado lembrou que os membros da Câmara, em massa, repudiaram o aumento de 31,12% na tarifa de água, considerando o reajuste um massacre ao contribuinte. No entanto, os mesmos vereadores não viram dificuldade em reajustar os seus salários. “Pau que bate em Chico bate em Francisco, logo, se não é possível o aumento naquela circunstância [tarifa de água], também não é possível o aumento nesta aqui, eis que ambas contrariam o ordenamento jurídico e oneram os cofres públicos”, redigiu o juiz.
Vereadores acatam
Na tarde de hoje, quinta-feira (27), os vereadores se reuniram e “decidiram acatar a decisão da justiça” – como diz o texto da assessoria da Casa de Leis. No entanto, os vereadores vão recorrer da decisão.
O presidente da Câmara, Elbio Volkweis (Patriota), afirmou que a Câmara vai mover uma ação contra a decisão do juiz, pois segundo ele, não houve irregularidades na concessão dos reajustes. Elbio explicou que a reposição dos subsídios dos vereadores é praticada desde 2009 e nunca foram contestadas pelos órgãos fiscalizadores. “Vamos acatar a decisão e não vamos repassar o reajuste aos vereadores, mas iremos mover uma ação contra a decisão do juiz, pois o reajuste sempre ocorreu e até hoje, nem o Tribunal de Contas, nem o Ministério Público, contestaram os reajustes praticados”, pontuou referindo-se a legalidade do repasse. “Não aprovamos o aumento dos salários e sim a reposição”, completou.
Aumento discreto
Até a eleição de 2012, o salário dos vereadores e demais agentes públicos de Sinop era estabelecido no ano da eleição, geralmente no primeiro semestre. Como causava desgaste político, nos dois mandatos anteriores, os vereadores não votaram reajustes no seu salário. Na prática, o ganho do legislativo ficou congelado por 8 anos. Para evitar essa defasagem, a norma interna foi alterada e o salário dos vereadores passou a ser votado no ano anterior às eleições.
O salário definido no ano véspera da eleição deveria aguentar 4 anos sem qualquer reajuste. Na prática, precisaria elevar o valor para suportar as perdas inflacionárias do período. O impacto desse número levou a câmara local a aprovar aumentos pequenos e buscar outras formas de compensação.
Como é o caso da Verba de Natureza indenizatória, paga a cada vereador mensalmente sem a necessidade de prestar contas. O valor, que começou em R$ 5 mil, é anualmente reajustado e hoje passa a casa dos R$ 7,5 mil. As diárias são outro exemplo. Elas já foram extintas e posteriormente trazidas de volta.
Formalmente, a última vez que o salário dos vereadores de Sinop sofreu reajustes foi em dezembro de 2019. Na época os vereadores pegaram a inflação do ano (saudosos 3,27%), e dobraram, prevendo o mesmo para os próximos 12 meses. Dessa forma, o salário de vereadores e agentes públicos foi reajustado em 6,5% - menos do que o percentual de aumento concedido no final de 2021.
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