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Sinop

‘Chocho ou estéril’, relata juiz ao absolver Dorner

Ação que investigava caixa 2, compra de votos e uso da máquina pública em campanha foi julgada improcedente

Política | 25 de Junho de 2025 as 14h 30min
Fonte: Jamerson Miléski

Foto: Otmar Oliveira

Picuinhas de advogados, teorias da conspiração, falta de provas lícitas e manobras de narrativa. Esse é o resumo de como o juiz eleitoral de Sinop Walter Tomaz da Costa encarrou a Ação de Investigação Eleitoral 0600663-76.2024.6.11.0022, aberta na véspera da eleição de 2024, acusando o prefeito e candidato à reeleição Roberto Dorner de compra de votos, caixa dois e de manter um “gabinete paralelo”, bancado pela máquina pública, com servidores da prefeitura trabalhando na campanha. O magistrado julgou o mérito da ação às 23h52 dessa terça-feira (24). A sentença finalizada quase na madrugada julga improcedente todas as acusações contra o prefeito, trazendo um ar de mau humor, que alterna tons de desprezo às alegações levantadas contra Dorner com o lamento pela maior parte das provas acostadas ao processo terem sido anuladas. “No geral, sobre todos os pontos julgados, a representante almeja tábua de salvação para uma derrota eleitoral que não se sustenta por suas teorias conspiratórias, mas que se afunda como âncora, esta como indicativo de estabilidade do resultado das eleições, na medida em que, esgotada a instrução criminal, com todas as oportunidades disponibilizadas, nada foi erigido no conjunto probatório apto a sustentá-las a contento ou isentas de atos nulificados ou contaminados destes derivados. Tido absolutamente chocho ou estéril. Razões pelas quais a improcedência dos pedidos é medida de rigor”, descreveu Walter Tomaz da Costa em sua decisão.

Traduzindo do “juridiquês”, o que o magistrado resumiu é que foi um processo marcado pelo duelo de advogados, pela tentativa de levar a eleição no “tapetão”, pela ponderação de todas as acusações, mesmo aquelas cujas provas foram invalidadas e no fim quem venceu foi o voto. “Nuances de atuação processual tendentes a espetacularizar os acontecimentos narrados, por um lado, e defendidos, pelo outro, como se de um jogo se tratasse e aquele que fosse mais enfático ou tivesse mais destreza levaria o troféu ou prêmio da vitória. Não é assim. As provas ditam a vitória ou o fracasso”, relatou o juiz em outro trecho da sentença.

A ação de investigação foi aberta em 5 de outubro de 2024, motivada pela coligação Novo Rumo Para Sinop, que tinha como candidata a prefeita a empresária Mirtes Grotta. Todo, ou quase todo, arcabouço da ação deriva de uma busca e apreensão realizada pela Polícia Federal no dia 2 de outubro de 2024 no dito “Gabinete Paralelo” da campanha de Dorner. Esse prédio, no centro da cidade, seria alugado pela prefeitura e nele servidores municipais estariam operando um Caixa Dois de campanha, comprando votos. Nessa busca a PF apreendeu 6 notebooks, 3 celulares, um HD e R$ 6 mil em dinheiro – parte em cheque e parte em espécie. E, de fato, uma servidora pública estava lá trabalhando: Silvia Reginal dos Santos. A acusação era de que outros 3 servidores da prefeitura estavam trabalhando na campanha: a diretora do Previ-Sinop Daniela Sevignani, o diretor de Cultura Cesar Muriana e a secretária de Administração, Silvia Villar Borges de Oliveira. Além disso havia a ilação de que 13 ou 14 outros servidores da prefeitura estavam trabalhando na campanha.

Imagens da busca e apreensão realizada pela PF e anuladas pelo TRE

Na decisão Walter Tomaz explica que o que motivou a busca realizada pela Polícia Federal foi uma denúncia que partiu de Priscila Sampaio da Silva, que na ação aparece como informante. Ela teria gravado cenas de pagamentos sendo feitos no gabinete de campanha, além da movimentação de servidores em torno da eleição de Dorner. Posteriormente ela entregou seu celular para Polícia Federal, que fez a extração dos dados. Uma curiosidade relatada na decisão é de que em certa fase do processo o aparelho foi bloqueado por falta de pagamento (parcela do celular) e quem pagou a conta para desbloquear, no valor de R$ 1.234,91, foi Mirtes – tudo dentro da legalidade, registrado nos autos. Walter se refere a Priscila como “espiã” infiltrada na campanha de Dorner trabalhando para campanha de Mirtes.

Mas a opinião do magistrado sobre a informante pouco importa. Como lista em diversos pontos da sua extensa sentença, todas as provas colhidas na busca feita pela PF foram declaradas nulas pelo Tribunal Regional Eleitoral. Foi uma vitória prévia da defesa de Dorner. Uma vez que o tribunal considerou que as provas foram obtidas de forma ilegal, com gravações escondidas, sem autorização das pessoas ou da Justiça, tudo que “tocou” Priscila foi considerado infectado. É a teoria dos “Frutos da Árvore Envenenada”. Ou seja, as provas que geraram a denúncia não poderiam ser consideradas pelo Ministério Público ou pelo juiz para decidir sobre a questão.

Como frisa o magistrado em sua sentença, a nulidade das provas relacionadas a Ação Cautelar Criminal por si extingue 3 dos 4 pontos listados na Investigação da Justiça Eleitoral.

 

Cheirando frutos envenenados

Walter Thomaz da Costa, juiz eleitoral de Sinop

O magistrado não podia comer os frutos da árvore envenenada, mas decidiu cheirá-lo. Mesmo sabendo que a anulação das provas era irreversível (trânsito em julgado) e sabendo que elas foram coletadas a partir de uma pessoa de comportamento “enraivecido e tresloucado” (forma como o juiz descreveu a informante Priscila), Walter gastou um tempo avaliando cada ponto denunciado. Começando pelos servidores da prefeitura trabalhando na campanha. O magistrado descreve os que se tem e o que se sabe os 4 servidores e sobre os imprecisos “13 ou 14” outros que formavam o time da reeleição de Dorner. Sobre a secretária de Administração Sílvia Villar Borges de Oliveira, o juiz disse que se tratar de “mera implicância perceptível”. Para Costa Walter Tomaz não há qualquer indício de que ela tenha trabalhado na campanha de Dorner.

Sobre Cesar Muriana, relata o juiz, as provas indicam que o diretor de Cultura só trabalhou na campanha fora do seu horário de expediente, no período noturno, coordenando cabos eleitorais. Sem ilegalidades.

O juiz dedica uma atenção especial para descrever o que averiguou sobre Daniela Sevignani, diretora do Previ-Sinop, mas que atuou como advogada da campanha de Dorner. Walter Tomaz citou o fato do contrato firmado com a advogada foi assinado por Robisson Dorner – filho do prefeito a quem o juiz descreve como “uma espécie de grilo falante do pai, que em tudo se mete, um tipo de Jiminy Cricket zangado da consciência de Pinóquio”. Mas para o magistrado, o fato do contrato não ter sido assinado pela coordenação de campanha de Dorner é só uma intromissão do “papagaio de pirata”, uma vez que a contratação foi reportada na prestação de contas do candidato.

Ainda sobre Daniela, o juiz destaca a ligeireza da advogada em demonstrar que seu trabalho como servidora pública não se misturou com a atuação advocatícia. Na única petição assinada pela advogada em horário de expediente no Previ-Sinop ela apresentou um pedido para descontar do seu salário pelo dia de serviço que faltou. Daniela tinha expediente no Previ das 7h30 às 13h. Mas no dia 3 de outubro, um dia após a busca e apreensão ser realizada, ela apresentou uma petição as 12h20. Mesmo com a “prova orquestrada” do desconto pelo dia faltado, afirma o juiz, não há nada que comprove que Dorner usou a servidora pública para sua campanha.

Diferente de Silvia Regina dos Santos, a Silvinha, a quem Walter chama de “ponto chave”. É Silvinha que aparece nos vídeos feitos pela informante Priscila trabalhando no tal “comitê paralelo”. Segundo a decisão do magistrado, Silvinha de fato trabalhou na campanha de Dorner, mas estava de licença da prefeitura. Conforme o juiz, entre 5 de agosto e 3 de setembro ela estava de férias. Já do dia 4 de setembro ao dia 5 de outubro (último dia da campanha), ela estava de Licença Prêmio. “Insinuações ocas de que essa documentação teria sido montada, como também ocorreu genericamente em relação a outros servidores, não tiveram ressonância mínima nas demais provas colhidas”, assinalou Walter.

Sobre os 13 ou 14 outros que estariam trabalhando no comitê, o magistrado disse que eles sequer foram identificados e que mesmo existindo, seria uma quantidade compatível com a estrutura de campanha, não configurando abuso de poder econômico.

O magistrado volta a Silvinha para tratar do 2º ponto dos 4 que a investigação trata: caixa dois e compra de voto. Segundo ele, a servidora licenciada é personagem central da denúncia, aparecendo nas gravações fazendo pagamentos e promessas, falando da campanha e manipulando certa quantia de dinheiro, em espécie. Walter cita que a própria defesa de Dorner não se preocupou em explicar ou justificar as imagens da possível compra de votos. Os “badalados advogados”, como escreveu o juiz, apenas focaram na nulidade das gravações, não gastando argumento sobre as provas já consideradas inválidas.

O juiz eleitoral seguiu o ordenamento jurídico e ficou na mesma senda. Com os “frutos envenenados” não restaram outras provas de caixa dois ou de compra de votos e, portanto, sem crime. “Por mais que os olhos e os ouvidos flagrem uma truanesca cena de pagamento em dinheiro a terceiros, com falas e promessas provavelmente de Silvinha mencionando a campanha, o candidato e manuseando valores nitidamente acima do máximo autorizado, dentro do recinto de um escritório de campanha na faina da disputa, sugerindo defesa pagamento em espécie a pessoas não identificadas”, escreveu o juiz.

Já sobre o 3º ponto, que seria o uso de um imóvel alugado pela prefeitura para comitê de campanha, o juiz segue a tese apresentada pela defesa e comprada pelo MP. O imóvel pertence a uma empresa e embora essa empresa tenha contrato com a prefeitura de Sinop, o prédio foi alugado pela campanha de Dorner, sendo devidamente declarado na prestação de contas. Mais uma vez, “cheirando os frutos”, já que a nulidade das provas alcançava também esse ponto.

 

Ricaço, mas e daí?

O único fruto não contaminado era o 4º ponto da investigação, que é a omissão de bens. Dorner teria declarado à Justiça Eleitoral um patrimônio muito menor do que tem, deixando entre 11 a 21 imóveis de fora da lista. Em suma, Dorner disse ter um capital de R$ 24 milhões, mas deixou comprovadamente R$ 90 milhões de fora dessa declaração. Esse assunto não tinha correlação com a “espiã informante”, então as provas apresentadas estavam válidas.

Mirtes e seus advogados sustentaram que a omissão dos bens configurava falsidade ideológica e abuso de poder econômico. Fizeram a conta de que Dorner teria mais de R$ 114 milhões apenas em imóveis. “Ricaço. No entanto não passou desses números. Só aduções e adições”, escreveu o juiz.

Para o magistrado, embora todo mundo saiba que Dorner é muito rico, não há qualquer comprovação de que o candidato tenha utilizado esse dinheiro na campanha, para além do que foi declarado. Ou que os “imóveis ocultos”, tenham sido utilizados para captar voto.

O juiz traz ainda a compreensão de que esses “imóveis ocultos” na verdade foram transmitidos para uma holding familiar no ano de 2017 e que resta apenas formalizar o novo registro imobiliário no cartório. Em suma, não é uma questão para a Justiça Eleitoral, mas para a Receita Federal.

Considerando o que sobrou da denúncia nada – ou muito pouco – o juiz eleitoral frisou a importância da vontade manifestada no voto. Ele citou o fato de Dorner ter vencido por dois terços dos votos, com uma larga vantagem e que cabe à Justiça Eleitoral respeitar o resultado da eleição para que a democracia aconteça. “[Quando] na dúvida, vale o voto”, resumiu.