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Democracia ameaçada

Para jurista, decisão do STF impõe grave censura ao jornalismo

Confira a entrevista na íntegra com o jurista Marco Marrafon

Geral | 03 de Setembro de 2023 as 14h 16min
Fonte: PNB Online

Foto: Arquivo Pessoal

No último mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão importante, o Recurso Extraordinário RE 1075412, sobre a responsabilidade civil dos veículos de Comunicação em relação a declarações de entrevistados. Apesar da relevância, a questão, que envolve jornais serem responsabilizados por injúria, difamação ou calúnia proferida por terceiros durante entrevistas, não ganhou a devida repercussão na mídia e na academia. O PNB Online conversou sobre o assunto com o advogado, professor  da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Direito, Marco Marrafon. 

Conforme destaca o jurista nesta entrevista exclusiva, embora a tese de repercussão geral ainda não tenha sido fixada, a decisão do tribunal implica de maneira muito intensa uma violação da liberdade de expressão e liberdade de imprensa no Estado Democrático de Direito. Na avaliação de Marrafon, é necessário um debate sério com a sociedade civil, com o Parlamento e com o próprio Poder Judiciário para discutir os limites da liberdade de expressão e de combate a fake news no país.

Entre os defensores da perspectiva de responsabilização dos veículos encontra-se o ministro Alexandre de Moraes, cujo voto teve o maior número de adesões. Para Moraes, a proteção constitucional à liberdade de imprensa é essencial, mas deve ser exercida com responsabilidade. Ele argumentou que a censura prévia é inadmissível, mas “a análise e responsabilização posteriores são legítimas quando as informações forem comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas ou causarem danos materiais e morais”. 

Moraes enfatizou que os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem estão amparados pela proteção constitucional à dignidade da pessoa humana. Por outro lado, o ministro Marco Aurélio, que atuou como relator do caso, sustentou que as empresas jornalísticas não podem ser responsabilizadas civilmente por declarações de entrevistados, desde que o jornal não emita opinião sobre o caso. 

Segundo Marco Aurélio, a responsabilidade civil das empresas de comunicação só ocorreria em casos de desvios, mas não quando os jornais se limitam a divulgar uma entrevista. Sua tese proposta foi clara: “Empresa jornalística não responde civilmente quando, sem emitir opinião, veicule entrevista na qual seja atribuído, pelo entrevistado, ato ilícito a determinada pessoa”. O voto divergente de Moares superou o voto do relator. Apenas a ministra Rosa Weber acompanhou Marco Aurélio. 

 

Confira a entrevista na íntegra com o jurista Marco Marrafon.

 

PNB Online: A partir desta decisão, o jornalista deve, em alguma medida, julgar previamente o delito do entrevistado? 

Marrafon: A situação que pode ser gerada com essa decisão é justamente a necessidade do jornalista, do órgão de imprensa, ter que estar atento e fazer uma espécie de censura nas entrevistas, nas opiniões de seus entrevistados, nas notícias que veiculam, especialmente se estas contiverem qualquer coisa como uma calúnia, que é atribuir crime a alguém, uma injúria, um xingamento direto, ou mesmo uma difamação que é atribuir um ato desonroso a outra pessoa.

A situação se torna mais grave ainda quando há uma exigência de controle de fake news, de informações mentirosas de entrevistados. E tanto nos casos de calúnia, injúria, difamação ou fake news, é possível perante essa decisão tomada pela maioria, que haja a responsabilização civil e, quiçá, criminal, do órgão de imprensa.

 

PNB Online: Na prática se, por exemplo, um veículo que registrou os desaforos e xingamentos do ex-presidente Jair Bolsonaro contra ministros do Supremo pode ser responsabilizado pela opinião do indivíduo?

Marrafon: Na prática, há possibilidade sim. Dependendo do teor desses xingamentos, e se isso for divulgado pelo órgão de imprensa de maneira ampla, há possibilidade de responsabilização de acordo com o teor da ementa do que foi decidido.

 

PNB Online: Existe a opinião do veículo, nos editoriais, e do jornalista, em artigos de opinião, mas a reportagem é um registro de interesse público sobre um fato. Se esse fato implica em ofensa dito por alguém, como responsabilizar quem apenas fez o registro?

Marrafon: Ali, o que está normatizado para ser responsabilizado é justamente a possibilidade de divulgação, de difusão da mensagem. Então o órgão de imprensa seria responsabilizado pela divulgação dessa opinião que contém algum desses casos que possam gerar a responsabilidade. De qualquer modo, é uma interpretação que não está de acordo com os ditames da Constituição e com a necessária liberdade de expressão e liberdade de imprensa típica do Estado de Direito, porque vai gerar uma série de situações inadmissíveis de cerceamento e censura prévia, especialmente em relação ao que nós chamamos de efeito de resfriamento. Ou seja, muita gente que fica com medo de divulgar alguma notícia mais impactante, uma crítica aos detentores do poder, por exemplo, vai simplesmente não divulgar com medo de ser responsabilizado.

 

PNB Online: O senhor acredita que o Supremo ao tentar agir contra o bolsonarismo atinge de morte  a democracia?

Marrafon: Eu acredito que o Supremo tem trabalhado firmemente para a defesa da Constituição e da democracia. No entanto, existem excessos e excessos tem que ser devidamente equacionados e combatidos para que não haja um efeito inverso de diminuição da democracia. Neste caso, me parece que não é a decisão constitucionalmente adequada, porque implica de maneira muito intensa uma violação da liberdade de expressão e liberdade de imprensa no Estado Democrático de Direito.

 

PNB Online: Quem está faltando assumir posições neste debate sobre liberdade de expressão e democracia? É um tema de interesse público que foi entregue apenas o STF?

Marrafon: A polarização é muito terrível porque ela inibe o debate público e democrático, porque quando você assume uma posição, você logo é rotulado se está do lado B ou do lado A. Então, isso é muito complicado. Mas falta um debate sério com a sociedade civil, com os parlamentares que gozam de imunidade parlamentar e também com o próprio Poder Judiciário para discutir os limites da liberdade de expressão e de combate a fake news no Estado de Direito. O Congresso tem, sim, responsabilidades extremas quanto a esse tema, porque ele é o órgão central de defesa da democracia e tem sido omisso tanto na regulação quanto na possibilidade de combater os excessos que possam ser causados pelo ativismo judicial.

 

*Pedro Pinto de Oliveira, jornalista e doutor em Comunicação pela UFMG
**Safira Campos, jornalista e mestre em Comunicação pela UFMT