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Sinop

Juiz se mete em licitação, tem decisão reformada e toma ‘‘sermão’’ do TCE

Associação dos Magistrados manifestou indignação à postura do conselheiro

Geral | 10 de Agosto de 2023 as 16h 42min
Fonte: Jamerson Miléski

Foto: TCE-MT/Arthur Menescal

“Juizite”. Esse foi o termo empregado pelo conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado), Antônio Joaquim para descrever a postura do juiz da 6ª vara da comarca de Sinop, Mirko Gianotte, ao anular uma determinação da corte de contas. A palavra, um neologismo, refere-se à soberba e ao sentimento de superioridade demonstrado por um magistrado. “Um juiz de primeira instância suspendendo uma decisão do TCE, sem ouvir o TCE? uma coisa teratológica [anomalia]. O TCE não é o primo mais pobre da Justiça não. Nós somos o Tribunal com toda a nossa legitimidade institucional”, declarou Joaquim. “Foi muito imprudente o juiz. Foi um ato de juizite”, completou.

A fala do conselheiro gerou uma troca de desaforos entre TCE e Poder Judiciário, mediante a manifestação da AMM (Associação Mato-grossense dos Magistrados).

A origem dessa quizila é o que talvez seja a licitação mais importante lançada pela prefeitura de Sinop neste ano. Trata-se do chamamento público 002/2023, que busca contratar uma organização social para gerenciar a UPA 24h e outras unidades de saúde no município ao longo dos próximos 5 anos. O contrato previsto para esse serviço é de R$ 87 milhões.

Essa licitação é aguardada desde maio do ano passado, quando a prefeitura de Sinop destituiu o ISSR e contratou, em caráter emergencial o IGPP (Instituto Gestão de Políticas Públicas). O contrato tinha duração de 6 meses, prazo previsto para lançar a licitação e regularizar a situação – o que não ocorreu. Desde então o contrato com a IGPP foi renovado mais duas vezes, encerrando em novembro de 2023.

O chamamento público corrigiria a forma de contratar o serviço. O certame foi lançado em 20 de abril. Uma falha no edital deixaria inclusive o IGPP fora da disputa. O instituto apresentou um recurso e a comissão de licitação mudou o texto.

Para participar do processo, as organizações sociais deveriam estar devidamente registradas junto à secretaria de Saúde do município. No dia 16 de maio, 5 dessas entidades pediram o credenciamento, que aconteceu no dia 24 de maio, um dia antes da abertura dos envelopes do Chamamento Público. No entanto, os decretos com os registros só foram publicados um dia depois, em 26 de maio.

Dessa forma, convenientemente, apenas o IGPP participou da licitação milionária. Se sentido lesada, uma dessas empresas, o CGI (Centro de Gestão Integrada), ingressou com uma representação no TCE, que foi avaliada por Antônio Joaquim. O conselheiro detectou um prejuízo à ampla disputa e determinou, de forma cautelar, que a prefeitura retornasse a licitação até a fase de abertura dos envelopes, permitindo a participação dessas 5 entidades. Joaquim ainda deu 5 dias para que a prefeitura se manifestasse, mas a posição do município foi de que tudo foi feito dentro da legalidade.

O IGPP, que sem a decisão do TCE disputaria sozinho o certame de R$ 87 milhões, recorreu ao poder judiciário – inserindo Mirko na contenda. O magistrado de Sinop suspendeu a decisão da corte de contas e reestabeleceu a licitação, que prosseguiria apenas com o IGPP.

O “sermão” de Antônio Joaquim – e também do conselheiro Valter Albano, que também se manifestou sobre o caso – só foi passado após o Tribunal de Justiça reformar a decisão de Mirko. A presidente do TJ, desembargadora Clarice Claudino da Silva, reestabeleceu a determinação do TCE, para que a licitação voltasse à fase de abertura dos envelopes. Em seu despacho, a desembargadora afirmou que “é atribuição do Tribunal de Contas o controle de legalidade de atos administrativos, consoante expressa previsão constitucional. A leitura da decisão proferida pelo Tribunal de Contas na representação de natureza externa não permite identificar o desbordar das margens de atuação próprias daquele órgão de controle externo, porquanto se ateve aos aspectos da legalidade do chamamento público”.

No pedido para suspender a liminar emita por Mirko, o consultor jurídico-geral do TCE-MT, Grhegory Maia afirmou que “não poderia ter o juízo de primeiro grau deferido a liminar” e que “mesmo se a decisão concessora de liminar não tivesse eivada de teratologias e erros jurídicos, não poderia o juízo de primeiro grau ter concedido liminar no presente caso concreto”.

Na mesma senda se posicionou o presidente do TCE. “Não nos é autorizado, enquanto Tribunal de Contas, adentrar a competência de Instituição nenhuma, porque não é democrático, não é constitucional e não é legal. O inverso também”, declarou Albano durante sessão desta terça-feira (8).

 

Repercussões

Ao Folhamax o juiz Mirko Gianotte se posicionou dizendo que o Tribunal de Justiça “é sábio e sabe o que faz, não me cabendo nem sendo permitido críticas ou comentários”.

Já sobre a fala de Antônio Joaquim, o magistrado retrucou. “Lamento quanto a infelicidade do comentário do Nobre e respeitável conselheiro. No entanto, pior que a apontada 'juizite' é não saber diferenciar o Poder Judiciário, um dos 3 que constituem a Nação Brasileira, segundo a Constituição Federal, e a natureza e essência do TCE, que é um 'órgão auxiliar da Assembleia Legislativa do Estado, portanto aí está uma instituição que, inclusive, recentemente já se posicionou o STF, 'não tem atribuições e nem poder de dizer o direito'. No caso, creio, então, que esse predicado não cabe a mim, enquanto Estado-Juiz em todo esse cenário”, rebateu.

A AMM (Associação Mato-Grossense dos Magistrados) – entidade onde Mirko tem bastante trânsito – também se posicionou sobre o assunto. Em nota a associação repudiou a atitude do conselheiro e lembrou que decisões judiciais devem ser respeitadas. “Ao referir-se nesses termos, e de forma deselegante, a uma ordem judicial, o Conselheiro não ataca somente o magistrado alvo da ofensa, mas uma categoria inteira. Vale ressaltar que não existe área, entidade ou pessoa, seja ela um cidadão comum ou uma autoridade, que não esteja sob o guarda-chuva da Justiça. Toda e qualquer pessoa ou instituição pode submeter uma controvérsia ao Judiciário, que tem independência para decidir por esta ou aquela parte, garantindo assim que o Estado de Direito seja respeitado”, pontuou a AMM em nota.