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Sinop

Juiz divide por 2,7 o valor da indenização de fazenda desapropriada

Conta baseada na valorização da soja tirou quase R$ 40 milhões do valor avaliado pela propriedade

Geral | 26 de Novembro de 2025 as 16h 33min
Fonte: Jamerson Miléski

Murilo Mendes, Juiz Federal em Sinop Foto: Divulgação

O juiz federal da 1ª vara de Sinop, Murilo Mendes, aplicou uma regra de três baseada na variação da cotação da soja para determinar o valor da indenização de uma fazenda de 1.006 hectares que foi desapropriada pela Usina Hidrelétrica de Sinop. O “fator 2,7”, como chamou o magistrado, reduziu o valor da propriedade, avaliada pelo perito em R$ 62,8 milhões, para R$ 23,2 milhões. A área foi desapropriada no ano de 2017, para que o empreendimento energético pudesse estabelecer um novo assentamento agrícola para 28 famílias atingidas pela barragem.

A decisão referente ao processo de desapropriação 0000456-44.2017.4.01.3603 foi expedida na tarde desta terça-feira (25). O processo estava concluso para julgamento desde o dia 21 de março. Mendes levou 8 meses para consolidar seu raciocínio sobre o caso e expor sua decisão.

A disputa judicial tem no outro polo o deputado estadual Dilmar Dal Bosco e sua esposa Elizabete. O casal adquiriu a Fazenda Beckhauser, com 1.157 hectares no ano de 2003. Em dezembro de 2015 a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), declarou como sendo de utilidade pública 43,7 mil hectares, que poderiam ser desapropriados para implantação da usina hidrelétrica de Sinop. Nesse bolo estavam os 1.006 hectares que pertenciam ao deputado e a esposa.

Deputado Dilmar Dal'Bosco, proprietário do imóvel

Em março de 2017 a Companhia Energética Sinop (que implantou a UHE), tomou posse da Fazenda Beckhauser e utilizou a propriedade localizada em Sinop, próximo ao Rio Teles Pires para reassentar as famílias do Assentamento 12 de Outubro. A lei prevê que a indenização por desapropriação por utilidade pública deve ser “prévia, justa e em dinheiro”. Por isso a Companhia depositou em juízo cerca de R$ 22 milhões. A avaliação tomou como base o Caderno de Preços elaborado pela empresa em setembro de 2015 para calcular os valores das desapropriações que seriam feitas ao longo do empreendimento.

O valor da indenização e a métrica não agradaram o casal Dal’Bosco. Antes mesmo da emissão na posse, o deputado ingressou com uma ação na Justiça Federal, afim de discutir a indenização. Foram quase 5 anos aguardando pelo laudo de avaliação que fosse elaborado não pela usina, mas por um perito neutro, nomeado pelo judiciário.

O documento com a avaliação de quanto valiam os mais de mil hectares foi apresentado em janeiro de 2022. O laudo foi elaborado pelo perito João Paulo Novaes Filho, que recebeu R$ 45 mil pelo trabalho. A avaliação profissional apontou um preço estimado de R$ 62.397,00 por hectare – o que levaria a uma indenização de R$ 62,8 milhões referente apenas a “terra nua” da fazenda, sem benfeitorias. A partir disso deputado e usina se digladiaram nos autos do processo, discutindo os termos e normas adotados pelo perito. Disputa que se esgotou em março desse ano.

Imagem da área desapropriada

 

Como julgou Murilo?

Os advogados das duas partes questionaram muito o método com que a avaliação foi dirigida. Era uma batalha argumentativa de milhões. A usina tentava ficar o mais próximo dos R$ 22 milhões da sua avaliação inicial, enquanto o deputado precificava sua propriedade privada na casa dos R$ 102 milhões – contando o total da indenização a ser recebida.

Murilo retrucou teses dos dois lados. Dos defensores do deputado, o juiz não abraçou a tese de que faltavam “negócios reais” para definir que o valor de mercado apontado pelo perito estava correto. “Eventuais questionamentos a respeito da utilização de ofertas, da inexistência de prova documental das transações e ofertas e da não utilização de escrituras, também não têm pertinência”, escreveu Murilo Mendes.

Quando os advogados da usina pediram para o juiz não pegar o “preço topo” como base, o magistrado também bateu na mesa. “Contrariamente ao que tem sustentado a expropriante [a usina] nas ações que tramitam neste juízo, qualquer valor do intervalo é, ainda, o valor de mercado do imóvel, conforme já explicado acima, pelo que não se pode dizer que a decisão pelo maior valor configure enriquecimento sem causa. Em conclusão, a indenização da terra nua deve corresponder ao valor máximo por hectare indicado no intervalo de confiança”, relatou Mendes em sua decisão.

Depois de toda a tecnalidade esboçada, Mendes não abraçou os valores apontados pelo deputado, pela usina ou mesmo pelo perito. O juiz fez sua própria conta.

Mendes começa citando a lei e o entendimento do STJ de que o valor da indenização deve ser contemporâneo à avaliação. Ou seja, relativo aos anos de 2021/2022. O juiz inclusive grifa uma frase do ministro relator Herman Benjamin, que diz que: “Embora haja exceções reconhecidas na jurisprudência, é imperioso o cuidado para que elas não se tornem regra, de modo a subverter o comando legal expresso”.

Murilo achou que esse caso não deveria seguir a regra. Era uma exceção. Para ilustrar seu ponto o juiz federal cola uma decisão do STJ referente a um caso de desapropriação de áreas em que a posse ocorreu no ano de 1996 e a perícia só foi realizada em 2006. Nesse caso, em uma janela de tempo de 10 anos, o tribunal entendeu que o valor da indenização deveria ser calculado com base nos preços de mercado na época que o imóvel foi desapropriado.

O entendimento é de que tempo demais muda o tamanho da conta. Na sua decisão Mendes explica porque essa regra dos 10 anos se aplica nesse processo onde a posse e a avaliação oficial estão separadas por menos 5 anos. “É de conhecimento público que os imóveis rurais da região tiveram valorização exponencial nos últimos anos, o que certamente impactou na avaliação feita pelo perito no final de 2021. Desse modo, tendo como base os fundamentos citados, inclusive do STJ, entendo que, no caso concreto, o valor justo de indenização deve levar em conta o período mais próximo da data da imissão de posse, antes da valorização exacerbada dos preços”, escreveu Mendes.

O juiz cita em sua decisão que o perito apontou que houve uma valorização de 2,7 vezes no preço da saca de soja em agosto de 2021. O magistrado considerou a variação atípica no preço da commoditie valorizou em quase 3 vezes os preços dos imóveis agrícolas na região. Esse foi o argumento de Mendes para pegar o valor da avaliação feita pelo perito e dividir por 2,7. “Extrai-se um fator de 2,7x de valorização excessiva entre as datas citadas, sendo justo, portanto, que o preço final encontrado pelo perito seja reduzido por esse fator, considerado o valor máximo do intervalo de confiança, inclusive”, decidiu Mendes.

E foi assim que R$ 62,8 milhões de indenização viraram R$ 23.267.483,00. Esse foi o valor que a Justiça determinou pela terra nua. Na conta ainda são somados mais R$ 5 milhões referentes as benfeitorias, cujas avaliações não foram questionadas pelas partes.

Medes ainda concedeu juros compensatórios de 6% sobre o valor, a título de “lucro cessantes” – referentes ao dinheiro que o deputado deixou de ganhar com a desapropriação da área. A decisão é embasada em um contrato de arrendamento de parte da fazenda, firmado em fevereiro de 2015, antes do decreto de utilidade pública.

Os valores da indenização devem receber correção monetária e juros de mora, baseados na taxa Selic.