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Operação

Trabalhadores são resgatados em trabalho análogo à escravidão em obra de usina da 3tentos em MT

Ação foi deflagrada após um incêndio que destruiu o alojamento principal e foi causado por trabalhadores revoltados com as condições degradantes a que estavam submetidos

Educação | 07 de Agosto de 2025 as 19h 19min
Fonte: Globo Rural

Foto: Vagner Teixeira Maciel/GSI/PGT

Uma operação resgatou 563 trabalhadores de condições análogas às de escravo no canteiro de obras da usina de etanol de milho da 3tentos, em Porto Alegre do Norte (MT). Os trabalhadores eram contratados pela TAO Construtora.

A força-tarefa composta pelo Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego e Polícia Federal declarou que a ação foi deflagrada após um incêndio que destruiu o alojamento principal e foi causado por trabalhadores revoltados com as condições degradantes a que estavam submetidos.

As investigações, intensificadas após incêndio que destruiu alojamentos no dia 20 de julho de 2025, revelaram inúmeras violações às normas de saúde e segurança do trabalho. Durante as audiências administrativas realizadas entre 30 de julho e 5 de agosto de 2025, foram ouvidos trabalhadores e representantes da empresa, cujos depoimentos confirmaram uma série de violações aos direitos trabalhistas. Os trabalhadores resgatados eram oriundos majoritariamente de outros estados, especialmente do Maranhão, Piauí e Pará.

Segundo o Ministério do Trabalho, os trabalhadores dormiam em quartos superaquecidos, com apenas um ventilador para quatro pessoas, recebendo apenas um lençol fino para cobrir colchões usados e de má qualidade. Não eram fornecidos travesseiros, fronhas ou roupas de cama adequadas. “A superlotação era evidente, com alguns trabalhadores chegando a dormir no chão sob mesas quando não havia camas disponíveis.”

A situação se agravou nas semanas que antecederam o incêndio, quando problemas no fornecimento de energia elétrica se tornaram frequentes. A falta de energia causava a interrupção do bombeamento de água dos poços artesianos para as caixas d'água, deixando os trabalhadores sem água para consumo e higiene pessoal. Os depoimentos revelaram que nos dias anteriores ao incêndio, os trabalhadores precisavam tomar banho com canecas e enfrentavam filas enormes para usar banheiros sujos devido à falta de água.

No dia do incêndio, a situação atingiu um ponto crítico quando a empresa foi obrigada a utilizar caminhões-pipa para buscar água do Rio Tapirapé, fornecendo água turva e inadequada para consumo nos bebedouros. “A precariedade das condições de trabalho e alojamento, somada à falta de água e energia por dias consecutivos, criou um ambiente insustentável que culminou na destruição dos alojamentos masculino e feminino, parte da panificadora e da guarita de entrada”, diz o MPT.

As inspeções também revelaram graves violações às normas de segurança do trabalho no canteiro de obras. Os trabalhadores estavam expostos a condições insalubres, com refeitórios inadequados, locais de trabalho sem refrigeração e com excesso de poeira.

Foram constatados acidentes de trabalho não registrados adequadamente, incluindo trabalhadores que sofreram lesões nas mãos e pés, além de doenças de pele causadas pelos produtos manuseados. A falta de equipamentos de proteção individual adequados e as condições precárias de trabalho colocavam em risco a saúde e segurança de todos os empregados.

Além das condições degradantes de alojamento e trabalho, as investigações revelaram graves irregularidades na jornada de trabalho. Os trabalhadores eram submetidos ao sistema denominado "cartão 2", onde laboravam além da jornada contratual de 8 horas e 48 minutos diárias, chegando a trabalhar até 22 horas e aos domingos. As horas extras eram controladas em planilhas separadas e pagas em cheques ou dinheiro, "por fora" da folha de pagamento oficial, caracterizando sonegação fiscal e precarização das relações trabalhistas.

Os depoimentos indicaram que muitos trabalhadores foram aliciados através de intermediários em suas cidades de origem, pagando do próprio bolso as passagens para chegar ao local de trabalho, sendo posteriormente descontados os valores em seus salários. A alimentação fornecida era inadequada e repetitiva, com trabalhadores relatando encontrar larvas e moscas na comida, além de alimentos requentados e deteriorados.

Após o incêndio, a empresa foi obrigada a alojar os trabalhadores em hotéis e casas alugadas na cidade. Foram registradas 18 demissões por justa causa, 173 pedidos de rescisão antecipada de contratos por prazo determinado e 42 pedidos de demissão. Cerca de 60 trabalhadores perderam todos os seus pertences pessoais no incêndio.

Investigações continuam

As investigações da força-tarefa prosseguem com análise de documentos e não está descartada a necessidade de novas inspeções no local.

A empresa TAO Construtora possui atualmente quatro obras em Mato Grosso, empregando aproximadamente 1,2 mil trabalhadores, sendo a obra de Porto Alegre do Norte a maior delas.

O Ministério Público do Trabalho está em processo de negociação de termo de ajuste de conduta com a empregadora, a fim de assegurar o pagamento das rescisões, indenizações por dano moral individual e coletivo, indenizações pelos gastos com o deslocamento para o Mato Grosso, o pagamento das despesas de retorno e alimentação as cidades de origem dos trabalhadores resgatados e as reparações pelos bens materiais dos trabalhadores destruídos no incêndio. O MPT também está atuando para garantir a correção de todas as irregularidades encontradas nos alojamentos e na obra.

Resposta das empresas

A 3tentos informou em nota que está colaborando com as autoridades no caso de situação análoga à escravidão na obra em Porto Alegre do Norte (MT).

“Adotamos uma série de ações para apurar os fatos e avaliar medidas cabíveis e estamos colaborando integralmente com as autoridades competentes”, informa, em nota.

A 3tentos ressalta não compactuar com práticas que violem os direitos humanos. E diz estar comprometida com a “transparência, segurança e respeito às pessoas em suas operações”.

A TAO Construtora divulgou nota afirmando que o incêndio foi criminoso e provocado por um grupo isolado de trabalhadores, e informa que vem colaborando com as autoridades nas apurações do caso.

“Desde o início da fiscalização, a empresa garantiu acesso irrestrito às instalações e documentos, além de atuar no acolhimento e realocação dos colaboradores afetados”, informa a nota. A TAO também ressalta que, até o momento, não há autuação formal contra a empresa.

A construtora firmou, com o Ministério Público do Trabalho, um Termo de Ajustamento deConduta (TAC) com caráter emergencial e reparatório, sem confissão de culpa, como forma de garantir suporte imediato aos trabalhadores.

“A TAO reforça seu compromisso histórico com práticas trabalhistas éticas, respeito à legislação e aos direitos dos trabalhadores. Importante destacar que uma grande quantidade de colaboradores manifestou o desejo de retornar ao trabalho, o que demonstra a relação de confiança construída no canteiro de obras”, destaca a nota