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Artigo

Saúde mental por direito

Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. (Nise da Silveira)

23 de Maio de 2025 as 09h 55min
Fonte: Júlio Casé

A saúde mental é marcada por uma evolução significativa na compreensão e tratamento das doenças mentais. Em culturas antigas, essas condições eram frequentemente atribuídas a causas sobrenaturais, como possessão demoníaca ou punição divina, levando a práticas como exorcismo e trepanação. Durante a Idade Média, o pensamento místico persistiu, mas com o Renascimento, surgiu uma abordagem mais humanitária e a criação dos primeiros asilos. No século XIX, o movimento da "higiene mental", liderado por figuras como Dorothea Dix nos Estados Unidos, buscou melhorar as condições de tratamento e promover a construção de hospitais psiquiátricos estatais.

O século XX trouxe transformações cruciais. A psicanálise de Sigmund Freud revolucionou a compreensão da mente, focando no inconsciente e nas experiências da infância. Além disso, a descoberta de medicamentos psicotrópicos, como antipsicóticos e antidepressivos na década de 1950, alterou radicalmente os tratamentos. Na mesma linha, o movimento de desinstitucionalização, iniciado na mesma época, procurou transferir o cuidado em saúde mental de grandes hospitais para serviços comunitários, embora com grandes desafios na implementação de suporte adequado.

 

A Lei da Reforma Psiquiátrica no Brasil

No início do século XXI, um grande passo foi dado no Brasil. Em 2001, a Lei nº 10.216/2001, também conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica ou Lei Antimanicomial, entrou em vigor, representando um marco fundamental na história da saúde mental no país. Ela surgiu como resultado de décadas da Luta Antimanicomial, um movimento social e político que denunciava as condições desumanas e ineficazes dos hospitais psiquiátricos tradicionais (manicômios) e defendia um novo modelo de atenção.

Essa lei garante uma série de direitos às pessoas com transtorno mental, como o direito ao tratamento com humanidade, respeito à liberdade, ao convívio familiar e social, à informação sobre seu tratamento, ao consentimento livre e esclarecido, e à proteção contra qualquer forma de abuso ou exploração. Também preconiza a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por uma rede de serviços comunitários de saúde mental, incluindo Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Centros de Convivência e Cultura e unidades de acolhimento. O objetivo é oferecer um tratamento mais próximo da comunidade.

Com a implantação gradual da lei, as vagas e leitos em hospitais psiquiátricos foram diminuindo, e, em casos mais graves, os pacientes são direcionados para hospitais gerais. As internações de longa permanência foram abolidas, priorizando-se os tratamentos comunitários.

 

Desafios e Reflexões Atuais

O Dia Nacional da Luta Antimanicomial, celebrado em 18 de maio, marca a data de um importante encontro de trabalhadores da saúde mental em Bauru (SP), em 1987, que lançou as bases para a reforma psiquiátrica brasileira. A data serve para lembrar a luta por uma saúde mental mais justa e humana, livre de manicômios e estigma. No entanto, uma pergunta ecoa: será que as pessoas portadoras de transtornos mentais têm um tratamento digno e humano? Como profissional da saúde mental, eu tenho dúvidas em responder essa pergunta.

É alarmante e inegável que o descaso com pessoas com transtornos mentais ainda é uma realidade persistente e multifacetada no Brasil, apesar dos avanços da Lei Antimanicomial. Esse descaso se manifesta de diversas formas, impactando profundamente a vida e a dignidade dessas pessoas. Algumas formas encontradas incluem a psicofobia, dada pela falta de informação e medo, que perpetua estereótipos negativos e preconceitos, rotulando as pessoas como "loucas", "perigosas" ou "incapazes". A possibilidade de acesso aos serviços de saúde mental ainda é insuficiente e desigual, com uma qualidade insatisfatória do atendimento, unida a políticas públicas ainda carentes.

O programa "Melhor em Casa" levou os portadores de transtornos mentais de volta ao convívio familiar; contudo, a falta de conhecimento no cuidado faz com que a negligência familiar e social prevaleça. Isso pode levar à perda de autonomia e capacidade funcional, com aumento do risco de violência e piora do quadro clínico.

Refletir sobre o 18 de maio, é de extrema importância e mais que uma atitude, pois ainda há muito a ser feito. Transtorno mental não é "frescura", e quem o padece precisa de apoio. Que os dias vindouros tragam esperança e acolhimento para as pessoas que precisam de saúde mental como um direito fundamental.

 

*Julio César Marques de Aquino (Júlio Casé) é médico psiquiatra pelo Hospital Municipal do Campo Limpo - SMS - São Paulo- SP. Médico de Família e Comunidade pela SMS- Sinop - MT. Professor de medicina pela UFMT campus Sinop - MT. Autor do livro “Receitas para a vida” pela editora Oiticica.  Titular da cadeira número 35 da Academia Sinopense de Ciências e Letras cujo o patrono é o médico e escritor Moacyr Scliar. Contato: e-mail: juliocasemed@gmail.com.

Júlio Casé

Artigo

*Julio César Marques de Aquino (Júlio Casé) é médico psiquiatra pelo Hospital Municipal do Campo Limpo - SMS - São Paulo- SP. Médico de Família e Comunidade pela SMS- Sinop - MT. Professor de medicina pela UFMT campus Sinop - MT. Autor do livro “Receitas para a vida” pela editora Oiticica.  Titular da cadeira número 35 da Academia Sinopense de Ciências e Letras cujo o patrono é o médico e escritor Moacyr Scliar. Contato: email: juliocasemed@gmail.com.