Artigo
Portas abertas e o respirar da democracia
03 de Dezembro de 2025 as 14h 42min
A democracia não se sustenta apenas por meio do voto. Ela se fortalece pela pluralidade de vozes que ocupam seus espaços decisórios. Quando determinados grupos são historicamente afastados das cadeiras estratégicas, o que se produz não é apenas uma distorção representativa: é um prejuízo concreto na elaboração de políticas públicas, de tomada de decisão, no olhar institucional, na estratégia de gestão e na construção das soluções de questões sociais fundamentais.
Por isso, falar sobre a presença de mulheres em postos de liderança não é um debate identitário restrito ao gênero. Também não se trata da ideia equivocada de que mulheres deveriam ocupar esses lugares apenas pela condição de serem mulheres. Ser mulher, por si só, não coloca ninguém automaticamente em posição de liderança e nem é essa a reivindicação. O ponto central é outro: existe uma imensa quantidade de mulheres altamente preparadas, qualificadas e competentes que, mesmo assim, continuam tendo seu acesso barrado por estruturas excludentes ou por outros interesses que se sobrepõe à pauta.
Nesta semana, dois fatos emblemáticos desmontam, de uma vez por todas, o mito de que “faltam mulheres capacitadas”.
O Tribunal de Justiça teve inscrições exclusivamente femininas para a formação da lista de promoção ao cargo de desembargadora, em cumprimento à normativa do Conselho Nacional de Justiça. A representatividade, do modo como está sendo colocada, só apareceu porque houve um mecanismo institucional para tanto e, quando isso acontece, as mulheres surgem.
Da mesma forma, a primeira turma de doutorado em Direito da Universidade Federal de Mato Grosso, recém-lançada, teve suas dez vagas integralmente preenchidas por mulheres aprovadas. Um processo rigoroso, técnico e competitivo. Dez vagas. Dez mulheres. O resultado fala por si.
Esses acontecimentos revelam o óbvio que muitos insistem em não enxergar: a ausência feminina em posições estratégicas nunca foi ausência de preparo. É ausência de oportunidade. Nunca foi falta de capacidade, foi a perpetuação de estruturas que insistem em colocar as mulheres em posições de apoio, e não de liderança.
E é importante afirmar sem hesitação: não estamos reivindicando espaços porque somos mulheres, mas porque somos preparadas. Porque temos competência, estudo, experiência e visão estratégica para ocupar, com legitimidade, os espaços.
A subalternização feminina não é simbólica, tampouco inofensiva. Ela guarda relação direta com a violência. Fugir do “modelo ideal” que nos é exigido de subserviência e de silêncio, pode nos custar muito.
A presença feminina em posições estratégicas, não é apenas um gesto institucional de equidade, é parte fundamental de desenvolvimento social, porque onde mulheres podem participar de decisões, outras realidades e experiências são lembradas.
Pluralidade não é luxo, é ferramenta prática de construção democrática.
A democracia brasileira só amadurecerá quando mulheres deixarem de ser exceção e passarem a ser referência. Quando não houver mais espanto, nem tentativa de poda ao se ver mulheres assumindo o protagonismo que há muito tempo está na nossa trajetória, mas que, diariamente, tentam apagar.
As conquistas desta semana, a lista feminina no Tribunal de Justiça e a turma inteiramente feminina no doutorado em Direito da UFMT, demonstram uma verdade incontestável: estamos prontas. Sempre estivemos. Não nos faltou preparo, faltou abertura.
E é hora de corrigir definitivamente essa distorção. Assim, ganharemos enquanto sociedade e a democracia respirará fundo, como quem encontra o ar depois de sufocada.
Jamille Adamczyk
Advogada, professora de graduação e pós-graduação e mestre em Direito pela UFMT.