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Artigo

O fim do túnel sem luz

28 de Abril de 2023 as 14h 47min

A pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos à frente. (José Saramago)

 

No mês de abril, reflete-se o “abril marrom” onde se realiza a conscientização sobre a cegueira. Como tive a oportunidade de perder a visão de um olho há alguns anos e, com alguns anos de vida, me dei a oportunidade de poder rascunhar algumas palavras e reflexões acerca da cegueira e suas vertentes nem sempre no sentido literário.

A visão se me foi embora há alguns anos, já sendo adulto, no auge da idade e com planos pela frente. A medicina naquele momento, não era possibilidade alcançada e, um quarto escuro de um Departamento de Radiologia parecia ser o lugar ideal para seguir profissionalmente o resto da vida, afinal, qual seria o futuro? A incerteza não me permitia enxergar o que haveria pela frente. Como desistir da carreira de médico não fazia parte do plano, era necessário seguir em frente. Com olho único de visão a partir de então. Adianto que a decisão foi acertada, pois, a profissão de Câmara Escura creio que está se abolindo, isso se não já aconteceu. As tecnologias a engoliram.

Ao entrar na faculdade de Medicina, fui aos poucos percebendo que algumas especialidades médicas poderiam ser possíveis, porém, me manteriam limitado e, lentamente, fui perfilando oportunidades. Algumas áreas clinicas, foram emergindo aos meus olhos, mesmo diante do que eu não enxergava e que então descansaria sobre uma bonita prótese.

Muitas vezes a sensação de limitação ronda (até hoje) e rondava sobre a minha cabeça. Um exemplo é a técnica de suturar (costurar) um ferimento que acaba sendo desafiante e lento porém, não impossível. Aos poucos e, à medida que se aprende a conviver com o problema, tudo vai se adaptando e se tornando resolutivo.

A cegueira pode ser incapacitante, porém não pode incapacitar o indivíduo. Isso vai depender daquele que se tornou cego. Qual é a sua cegueira? A amaurótica, a definitiva, a psicológica ou a esmagadora? A quão intensa ela proporciona a incapacidade e como você tem feito para driblá-la? Você a tem cuidado preservando-a a ponto de não intitula-lo como um coitado ou ter assumido uma satisfação de estar cego, porém não incapacitado? Vale a reflexão.

Muitas pessoas utilizam de seu processo de adoecimento com o objetivo de benefícios e, não é falácia de quem defende uma bandeira. Basta olhar algumas especialidades médicas que se dedicam a múltiplos atendimentos de incapacidades e a angústia do colega médico em sua atividade cotidiana tratando de vencer seus próprios princípios à custa de imposições de pedidos sem que lhe seja concedida a possibilidade do exercício da plena autonomia. Talvez a decisão final seguisse outro rumo. Veja bem. A análise não é generalizada, mas direcionada a um grupo seleto de beneficiários que por suas atitudes individualistas, mancha as lutas de nossos antepassados que honraram com seus labores o bem comum dos deficientes e nos permitiram benefícios hoje concedidos. Não por serem os coitados e sim por muitas vezes no clarear das análises, concluírem disputas desiguais entre as pessoas com e sem incapacidades.

A cegueira também pode ser física quando diante de um desafio, não há capacidade ou mesmo força para sentir a partir de si o potencial que se tem, com o corpo que se tem. O sentido da visão é um dos cinco sentidos e não o protagonista como um todo. Claro que quando se pensa numa física cegueira, o olhar psíquico pode estar amaurótico, imobilizando a vítima.

Existem tipos de cegos com uma perda total de muitos sentidos, incluindo o moral. Pessoas que, para conquistar poder, usam uma artilharia pesada e, se cegam diante de outros que hierarquicamente, ocupam uma posição inferior a sua e se encontram primariamente limitadas. Esses cegos são detentores do poder e massacram a esses que não tem como defender-se. Podemos classificá-los como cegos achatadores.

Enfim, talvez a luz no fim do túnel não apareça como se desejaria, pois a escuridão a impedirá, mas é possível vencer o breu. Sempre há uma luz. Mesmo que imaginária. Vale lembrar que se pode sim, sobreviver em um local onde não é provável viver. Basta clarear a mente e buscar a melhor saída.

A mim, posso dizer hoje que, foi-me concedido a possibilidade de enxergar mesmo onde não era possível. Ver onde muitos diziam não haver luz. Aprender com os olhares que muitas vezes anunciam um interior cego. Poder ajudar a clarear uma mente imbuída na escuridão. Eu fiz muita coisa mesmo estando monocular. Ainda sigo fazendo. A limitação me capacitou e a luz continua a brilhar. Um feliz abril marrom inclusivo a todos.

 

*Julio César Marques de Aquino (Júlio Casé) é médico de Família e Comunidade pela SMS- Sinop/MT. Professor de medicina de pela UFMT campus Sinop. Autor do livro “Receitas para a vida” pela editora Oiticica. Medico residente de Psiquiatria HMCL - SMS - São Paulo. Titular da cadeira número 35 da Academia Sinopense de Ciências e Letras cujo patrono e o médico e escritor Moacyr Scliar. Contato: Email: juliocasemed@gmail.com

Júlio Casé

Artigo

*Julio César Marques de Aquino (Júlio Casé) é médico psiquiatra pelo Hospital Municipal do Campo Limpo - SMS - São Paulo- SP. Médico de Família e Comunidade pela SMS- Sinop - MT. Professor de medicina pela UFMT campus Sinop - MT. Autor do livro “Receitas para a vida” pela editora Oiticica.  Titular da cadeira número 35 da Academia Sinopense de Ciências e Letras cujo o patrono é o médico e escritor Moacyr Scliar. Contato: email: juliocasemed@gmail.com.