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Mauro Mendes e Lúdio Cabral juntos, e sozinhos
O falso dilema da defesa da vida versus defesa da economia é a chave populista que tranca as portas para a ciência.
24 de Março de 2021 as 13h 55min
A cena pública de Mato Grosso apresentou nesta terça-feira (23/03) um fato inusitado: o governador e o principal deputado de oposição juntos, e sozinhos.
A Assembleia Legislativa de Mato Grosso rejeitou o projeto de lei encaminhado pelo governador Mauro Mendes (DEM), que pediu a antecipação de 10 dias corridos de feriados, com início nesta sexta-feira (26.03) e que seguiria até o dia 4 de abril. Apenas o deputado Lúdio Cabral (PT), que também é médico, votou a favor do projeto do governador a quem faz oposição.
"O deputado da oposição votou sozinho a favor da proposta do governador porque os seus nobres colegas lavaram as mãos"
“Não estou entendendo o que está acontecendo aqui. O governador se reuniu ontem com a base dele e só o deputado da oposição irá votar a favor?”, disse o petista. A resposta é simples: o deputado da oposição votou sozinho a favor da proposta do governador porque os seus nobres colegas lavaram as mãos, rejeitando a responsabilidade de assumir, junto com o governador, a medida de óbvio desagrado popular. A falácia negacionista e diversionista do presidente Bolsonaro fez efeito. O falso dilema da defesa da vida versus defesa da economia é a chave populista que tranca as portas para a ciência.
O vice-líder do governo, o deputado Wilson Santos (PSDB) disse que é contrário à proposta do governo mas reconheceu que o Estado de Mato Grosso está em colapso da saúde e pediu a criação de uma nova proposta para tentar conter o avanço da pandemia. Ou seja, Wilson criticou o teor da proposta do governador Mauro Mendes. Acha que Mauro precisa melhorar e insistir em uma medida mais severa para conter a escalada de mortes por covid em Mato Grosso
“A pandemia está avassalando a vida da sociedade mato-grossense (...) meu celular está entupido de pedidos de UTI. Eu, como vice-líder, vou acompanhar a base por respeito, mas acho que daqui algumas semanas estaremos apreciando um lockdown. A tendência é só piorar”, disse Wilson. Ou seja, para o deputado o lockdown é inescapável, mas os seus pares só vão entender isso depois que o estado empilhar mais mortos.
A impressão de que o projeto do governador Mauro Mendes não foi devidamente explicado e discutido com sua base parlamentar é reforçada pelo argumento do deputado Sebastião Rezende (PSC) para votar contra: "a antecipação de feriados poderia causar ainda mais aglomerações no Estado e enfraqueceria a economia". Registre-se, mais um deputado que invoca o falso dilema de salvar vidas x salvar a economia, mote eleitoral de Bolsonaro que parece ter sido incorporado pelos parlamentares de Mato Grosso.
Rezende amplia a crítica ao projeto como foi elaborado pelo governador:
“Entendemos que hoje, da forma como está estabelecido, a antecipação vai criar mais problemas e mais dificuldades para o Estado no que concerne à saúde e vai trazer prejuízos grandiosos para os micros, pequenos e médios empresários. Para garantir o emprego, o meu voto é contra”, diz o deputado. Bolsonaro aprovaria e bateria palmas para esse argumento raso.
Já o deputado João Batista (PROS) confessou o óbvio: ele e seus colegas tomam suas decisões pela pressão popular, pelo que determinam suas redes sociais. Batista disse que os deputados tomaram a decisão por pressão da sociedade, que vem inundando as redes sociais pedindo pela rejeição do projeto. Mas o nobre parlamentar, livre da pressão do seu eleitorado, joga no colo do governador Mauro Mendes a responsabilidade de ampliar as medidas mais severas: “cobro do governo que nos próximos dias tenhamos medidas enérgicas, com maior fiscalização das medidas restritivas”.
O projeto
A proposta do governador era uma tentativa de reduzir o avanço do contágio da covid-19. A ideia era antecipar os feriados de Corpus Christi, Consciência Negra, Dia Mundial do Trabalho e aniversários dos municípios de Mato Grosso, que se somam à Semana Santa.
O argumento do Governo do Estado era que estudos científicos mostram que o distanciamento social pode reduzir de 29% a 64% o nível de contágio. E Mato Grosso está no limite de atendimento da saúde pública e privada, mesmo tendo mais que triplicado o número de UTIs durante a pandemia. Somente UTIs exclusivas para covid, o Estado conta no momento com 535 leitos, entre pactuados, cofinanciados e próprios.
O governador Mauro Mendes, em um artigo, lamentou a decisão do parlamento, com a exceção do voto a favor do seu principal opositor e colocou o dedo na ferida: sem isolamento social rígido, a escalada de mortes em Mato Grosso vai aumentar, por conta da falta de conscientização da população e, acrescentamos, pela falta de coragem dos representantes públicos de assumir posições que possam contrariar os ânimos dos seus eleitores.
"O projeto não foi aprovado, infelizmente. Estamos numa democracia e o poder do governador não é absoluto. Tentamos e continuaremos a tentar fazer aquilo que é certo e respaldado na ciência. Com ou sem feriados, quero pedir a colaboração de todos para que nos esforcemos para praticar e reforçar o distanciamento social, porque o momento exige isso para salvarmos a sua vida, a vida da sua família e das pessoas que você ama. Somos o estado brasileiro com o menor índice de adesão ao isolamento social por parte da população, de acordo com o Mapa Brasileiro da Covid-19. E isso reflete diretamente no contágio e, por consequência, nas mortes.
Sabemos que é um momento difícil. Que é difícil deixar de lado os almoços em família, a confraternização com os amigos. Mas é justamente para preservar a vida de todas as pessoas que a gente ama, e a nossa, é que precisamos fazer esse esforço. Não será um decreto ou uma lei, sozinhos, que vão resolver o problema. O contágio ocorre pelo contato humano, e só com a colaboração de toda a população poderemos reduzir a contaminação e as mortes. Precisamos que daqui para a frente haja um pacto pela vida, e uma guerra contra a aglomeração. Que seja um período de reflexão, de distanciamento, de oração, de fé em Deus".
*Dr. Pedro Pinto de Oliveira é professor da Faculdade de Comunicação e Artes (FCA) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
Pedro Pinto de Oliveira
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