Artigo
Marcas do que se foi
27 de Dezembro de 2023 as 14h 37min
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena. (Fernando Pessoa)
Todos os anos, com a chegada do novo ano, as reflexões são persistentes e desmotivantes. O passado ronda a mente mostrando-se traidor e faz questão de apresentar o que ficou para trás, trazendo um sentimento de culpa sobre o que não foi bem sucedido. Os objetivos não alcançados geram um desconforto sem medidas e os sonhos não realizados são estimulados a serem descartados.
Entre as marcas do que se foi está a saúde da qual não se deu o devido cuidado. O colesterol que alterou, a glicemia que está beirando o Diabetes. O fígado e o pâncreas falam todos os dias que não vão dar conta da missão. A pressão vem se alterando a cada dia e, as articulações se comunicam com os músculos dizendo que a “graxa” acabou. Faz tempo que a rigidez clama sem parar por mudanças. O velho corpo já não é o mesmo flexível e sarado de antigamente. Na proposta, tinha um plano de treinos com prazo para início há doze meses atrás. Infelizmente não deu certo.
A pergunta soa na mente como um sinete. Por que os planos não deram certo? Em casa, na porta da geladeira, contas que ao final não foram quitadas, perambulam pelos dias sendo vencidos e tratam de serem lembradas pelos respectivos cobradores. A ideia de investir para acumular foi vencida pelo consumismo de coisas que nem se soube a verdadeira necessidade de compra. Muitos objetos hoje, são cacarecos esquecidos nas estantes e no quarto de bugigangas.
Afinal, por que não chorar pelas marcas do que se foi? Confesso que depois de muitos anos refletindo sobre o assunto ainda trato de aprender a não sofrer por elas. Certa vez, ouvindo uma palestra, aprendi o seguinte ditado: “leite derramado não volta para a chaleira”. O fato é que esta expressão tem tanto sentido que, de fato, não seremos os mesmos encontrados há doze meses atrás. Nem em número de células, tampouco em ideias ou ideais antigos. Mesmo tarefas não feitas, serão renovadas e revistas para ver se realmente valem a pena serem realizadas. Doze meses é um fragmento de história de um pouco de tempo que se pode construir, porém, que passa tão rápido, que em um estalar de dedos vem mais uma vez, vem um outro final de ano e mais cicatrizes de marcas do que se foi e não voltará, a não ser em memórias. Não valem o cansaço ruminante.
Ouse sonhar dentro das possibilidades dos “sonhos que vamos ter” e, muitos virão. Nem que seja para apostar novamente. Claro que com metas e planejamentos. É a oportunidade de perdoar e perdoar-se. Construir e por que não, reconstruir-se. Refazer-se a partir de um objetivo que deve ser exteriorizado da mente. Hoje, existem uma série de ferramentas para anotar as metas e projetos para não serem esquecidos. Sejam como blocos de notas em papéis, lousas físicas e digitais, anotações virtuais em celulares e computadores e, até mesmo pedaços de madeiras para serem esculpidos à moda antiga. Valem a criatividade. Tudo para não se esquecer. Deixar tudo escrito e visível para que as propostas sejam solucionadas à medida em que forem sendo realizadas.
Se desejares ser, é preciso ter porém, ousar fazer. Buscar com as forças renovadas mesmo que a renovação não chegue. Um ano acaba e começa o outro. É um marco de misticismo que se intensifica de acordo com quem o vê. Eis a grande proposta. Uma nova chance de recomeçar. Sem arrependimentos ou ruminações.
Ao final, se mesmo assim ficarem pendências para o próximo ano, reflita se tudo valeu a pena e então reanime-se e, mais uma vez, desafie-se.
A você e os seus. Feliz Ano novo com “sonhos que vamos ter!”
Júlio Casé
Artigo
*Julio César Marques de Aquino (Júlio Casé) é médico psiquiatra pelo Hospital Municipal do Campo Limpo - SMS - São Paulo- SP. Médico de Família e Comunidade pela SMS- Sinop - MT. Professor de medicina pela UFMT campus Sinop - MT. Autor do livro “Receitas para a vida” pela editora Oiticica. Titular da cadeira número 35 da Academia Sinopense de Ciências e Letras cujo o patrono é o médico e escritor Moacyr Scliar. Contato: email: juliocasemed@gmail.com.