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Insumos agrícolas: contabilidade criativa ou fraude?
18 de Agosto de 2023 as 11h 13min
Tomando como base a curva do dólar futuro das últimas semanas, é possível verificar uma desvalorização do Real frente ao Dólar.
Diferentes Bancos, Corretoras e Consultorias projetam uma paridade superior a USD/R$ 5,00 até o final do ano.
Considerando que muitos Produtores Rurais podem haver comprado insumos agrícolas no período com vencimentos previstos para o ano que vem, chamamos a atenção para que não aceitem a cobrança da variação cambial no transcurso entre a emissão da Nota Fiscal de entrega dos insumos e o vencimento da duplicata.
Trata-se de uma cobrança indevida, absolutamente ILEGAL, reconhecida pela Syngenta como “NULA DE PLENO DIREITO“, segundo a legislação brasileira, no âmbito de uma das maiores emissões de CRA – Certificados de Recebíveis do Agronegócio ocorridas no mercado.
Cabe transcrever o que está registrado na 68a. Emissão de CRA da Syngenta (“Fatores de Risco”):
“RISCO DE QUESTIONAMENTO REFERENTE AO CURSO FORÇADO DA MOEDA
O Decreto-Lei 857/1969, conforme em vigor, a Lei 8.880/1994, conforme em vigor, a Lei 10.192/2001, conforme em vigor, bem como o Código Civil, determinam, como regra geral, serem NULAS DE PLENO DIREITO as obrigações que estipulam pagamento em moeda estrangeira. Adicionalmente, a legislação e a regulamentação brasileira, conforme o caso, podem conter restrições à formalização de títulos com valor atrelado à variação cambial”.
Mesmo reconhecendo ilegalidade da cobrança da variação cambial incidente nas operações de “prazo-safra”, esta empresa e outras grandes multinacionais do setor, insistem nessa imposição absurda e com isso já geraram um prejuízo bilionário nos últimos anos a Produtores Rurais, Revendas de Insumos e Cooperativas.
Não aceitem essa imposição, mesmo tendo firmado algum tipo de contrato, pois tratam-se de cláusulas nulas e que geram distorções contábeis graves.
Na página 11 do Livro “IFRS – Contabilidade Criativa e Fraudes”, de autoria de Paulo Baraldi, está descrito no capítulo denominado “CPC 02 – Efeitos das mudanças nas taxas de câmbio e conversão das demonstrações contábeis” que:
“Uma transação em moeda estrangeira deve ser reconhecida contabilmente, no momento inicial, pela moeda funcional, mediante a aplicação da taxa de câmbio à vista entre a moeda funcional e a moeda estrangeira, na data da contratação, sobre o montante em moeda estrangeira”.
Em se tratando de uma operação doméstica de compra e venda (contrato nacional), a indexação do valor de qualquer produto denominado em dólares deixará de existir quando do momento da transferência da sua posse, ou seja, com a emissão da Nota Fiscal de Venda, a qual é obrigatoriamente emitida em Reais.
Operações a prazo já incluem os juros correspondentes, normalmente referenciados no custo médio do desconto de duplicatas que atualmente pode superar 20% ao ano, tornando a cobrança adicional da variação cambial algo que, além de ILEGAL, é grotescamente oneroso.
Caso tenham pago valores a título de “variação cambial” sobre as compras a prazo de insumos agrícolas, sugiro fortemente que consultem os seus advogados e exijam a devolução imediata do que foi pago indevidamente com juros e correção.
Se infere que entre 2018 e 2022, período no qual houve uma intensa volatilidade da moeda com desvalorizações abruptas do Real em relação ao Dólar, que a cobrança ilegal da variação cambial sobre as operações a prazo no Agro possa ter gerado bilhões em receitas irregulares para as grandes empresas de insumos agrícolas, podendo ter trazido, em contrapartida, um prejuízo igualmente bilionário para milhares de Produtores Rurais, Revendas e Cooperativas.
Neste sentido, não cabe aos Produtores Rurais, Revendas e Cooperativas arcarem com o ônus relativo ao risco cambial, até porque, raramente, se encontram na posição de importadores diretos. Se fosse este o caso, aí sim seria indiscutível a obrigação de assumir a flutuação do câmbio sobre operações a prazo, que a sua vez, estariam lastreadas em documentos apropriados como saques de exportação e cartas de crédito, devidamente assinados e denominados em MOEDA ESTRANGEIRA, cuja liquidação passaria pelo crivo de uma instituição financeira regulamentada pelo Banco Central.
Eduardo Lima Porto
Opinião
*Eduardo Lima Porto é formado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Director do Owner at LucrodoAgro - Consultoria Agroeconômica.