Artigo
Esquizofrênicamente
“E o que o ser humano mais aspira é tornar-se ser humano.” (Clarice Lispector)
27 de Maio de 2023 as 14h 14min
Naquela família, o momento crucial foi a tentativa de suicídio. Quando ele já não aguentando o pedido das vozes em sua cabeça, decidiu dar um fim aquele tormento. Para ele, padecer de esquizofrenia prevalecia na persistência de alguns sintomas que lhe fazia o problema angustiar. Sentir-se perseguido com a sensação vívida e intensa de que pessoas conversavam o tempo inteiro sobre ele, o levou à beira do leito de morte. Escapou com a chegada do pai, retirando rapidamente a corda recém colocada no pescoço
A esquizofrenia é assim. Uma doença crônica debilitante da mente onde os indivíduos dela acometidos, vão perdendo habilidades psíquicas conquistadas durante a vida. Uma curiosidade. Por um momento, as luzes da Ciência, pensou-se que a doença pudesse ter características de autismo pelo isolamento e alguns comportamentos retraídos de alguns indivíduos. Outra marca importante foi a perda da autonomia à medida que os portadores da doença iam abrindo novos surtos com a piora gradual de suas habilidades o que a colocou no grupo de doenças incapacitantes.
Entre os sintomas negativos, a expressão se dá em torno da depressão e, convidam a um passeio em um compêndio de funções psíquicas debilitantes como a perda do interesse pela aparência, em alguns. A higiene pessoal, a desorganização do comportamento e o retraimento afetivo também se apresentam como problema. Os delírios e alucinações, bem como um humor irritado ou ansioso, são sintomas positivos que anunciam instabilidades ou mesmo pródromos da evolução da doença.
A família, por desconhecimento, na maioria das vezes, não sabe como lidar. No início, preocupados e otimistas na melhora até participam ativamente, mas, à medida em que os sintomas vão cronificando com tendencia a quadros cada vez de mais difícil estabilidade, fazem com que os doentes sejam negligenciados e por sua vez abandonados de cuidados
Apesar de um grande avanço desde 1952 com o advento do primeiro antipsicótico, ainda há muito por se fazer. Anteriormente, o tratamento dos pacientes portadores da Esquizofrenia eram a base de Insulinoterapias, Eletroconvulsoterapias (na época não se usava anestesia). As amarras e colocação em hospitais manicomiais eram também os protagonistas da época. As propostas terapêuticas eram escassas. De certa forma, por mais críticas que pudessem ter, os precursores da saúde fizeram o que tinham disponíveis a época. Foram grandes desbravadores em um universo que escasseavam possibilidades. Tentavam com atitudes heroicas, mas, toda causa teve sua consequência e o desfecho, todos sabemos.
A falta de estimulo e, a não preocupação com as tomadas de remédios foi o fator precursor para a instabilidade emocional com o consequente descontrole. “É preciso tomar por muito tempo e, quem sabe, para o resto da vida”, disse o médico para ele e para a família. Em sua cabeça uma voz dizia: “não acredite nele. Ele não quer o seu bem” e a resposta para o médico eram atitudes minimizadas e com tons pejorativos. A medida em que os dias iam se passando ele ia cada vez mais se isolando e desorganizando-se em seus discursos. O mau odor pela falta de higiene já era evidente e a magreza ia se apresentando a cada dia. O estopim da bomba foi a tentativa de colocar-se a corda no pescoço em resposta ao acordo feito com a voz oriunda de sua cabeça.
Atualmente ele está bem. Por fim a equipe de saúde perto de sua casa o convenceu que tomar os medicamentos seria a melhor opção. Ele tem ido aos grupos do CAPS e interage muito bem com seus pares. Conseguiu um trabalho e até mesmo começou um curso no ensino superior. Muitos achavam que ele não seguiria. Ao contrário. “Renasceu das cinzas” e com boa cognição. O maior erro de todos foi achar que por ele ser esquizofrênico, não sabia pensar.
Em homenagem a todos meus pacientes de hoje e de amanhã que, de alguma forma padecem de algum transtorno psicótico. Em alusão ao dia 24 de maio. Dia Mundial da Esquizofrenia.
Júlio Casé
Artigo
*Julio César Marques de Aquino (Júlio Casé) é médico psiquiatra pelo Hospital Municipal do Campo Limpo - SMS - São Paulo- SP. Médico de Família e Comunidade pela SMS- Sinop - MT. Professor de medicina pela UFMT campus Sinop - MT. Autor do livro “Receitas para a vida” pela editora Oiticica. Titular da cadeira número 35 da Academia Sinopense de Ciências e Letras cujo o patrono é o médico e escritor Moacyr Scliar. Contato: email: juliocasemed@gmail.com.