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Enfrentar obesidade é combater mais de 10 tipos de câncer
26 de Junho de 2025 as 13h 41min
A obesidade não é apenas um problema individual — é uma questão de saúde pública com impacto direto na incidência de diversas doenças crônicas. Entre elas, o câncer. Falar sobre o assunto com franqueza ainda incomoda, mas é necessário.
O excesso de gordura corporal é fator de risco para pelo menos 13 tipos de câncer, além de agravar quadros de diabetes, doenças cardiovasculares e problemas respiratórios. Não é possível tratar a obesidade como se fosse apenas uma questão de “força de vontade”. Muitos pacientes carregam o peso da balança, se esforçam para emagrecer e mesmo assim não conseguem nem têm apoio concreto do poder público.
É nesse cenário que chama atenção, positivamente, a audiência pública marcada para esta sexta-feira, 27 de junho, na Câmara Municipal de Cuiabá para discutir o combate à obesidade. A iniciativa é da vereadora Michelly Alencar. Ela anunciou, recentemente, a destinação de R$ 1,2 milhão em emenda parlamentar para a aquisição do medicamento Mounjaro – usado no processo de emagrecimento. O recurso será usado na implementação de um programa inédito de combate à obesidade grave para usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). O prefeito de Cuiabá, Abílio Brunini, apoiou a iniciativa da vereadora e prometeu dobrar o valor, além de incentivar outros parlamentares da fazerem o mesmo com suas emendas para alcançar mais pacientes do sistema público de saúde.
A iniciativa rompe a inércia e tenta enfrentar o problema com mais do que discursos. É uma ação prática voltada para uma população que geralmente é esquecida pelas políticas públicas: a que vive com obesidade severa e não encontra resposta eficaz nos métodos tradicionais. É claro que o uso de medicamentos no tratamento da obesidade precisa ter acompanhamento profissional e mudanças de hábitos. Mas, pelo menos, é um começo. E, neste momento, qualquer passo concreto representa um avanço.
É preciso lembrar que a relação entre obesidade e câncer é direta. O excesso de gordura corporal provoca inflamação crônica e aumentos nos níveis de certos hormônios, que promovem o crescimento de células cancerígenas, aumentando as chances de desenvolvimento da doença, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA). De acordo com INCA, estudos demonstram que atualmente o excesso de peso é um dos principais riscos para o desenvolvimento de câncer no Brasil. Na lista desses estudos estão incluídos os tumores de esôfago (adenocarcinoma), estômago (cárdia), pâncreas, vesícula biliar, fígado, intestino (cólon e reto), rins, mama (mulheres na pós-menopausa), ovário, endométrio, meningioma, tireoide e mieloma múltiplo e possivelmente associado aos de próstata (avançado), mama (homens) e linfoma difuso de grandes células B.
Entre os cânceres mais preocupantes ligados à alimentação e ao estilo de vida está o câncer colorretal, que tem aumentado em adultos jovens nas últimas décadas. Uma das causas prováveis, além da obesidade, é o consumo frequente de alimentos processados, especialmente carnes embutidas como salsichas, linguiças, presuntos e salames. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já classificou esse tipo de produto como cancerígeno para humanos. O problema está na combinação de aditivos químicos, conservantes e métodos de processamento que aumentam a exposição a compostos potencialmente carcinogênicos.
É preciso resgatar o valor da alimentação baseada em alimentos in natura e minimamente processados. Arroz, feijão, legumes, frutas, ovos e carnes frescas são alimentos da base que protegem e nutrem as pessoas. É preocupante ver que boa parte da população, por falta de condições financeiras, questões culturais, comodidade ou falta de tempo tem substituído essas opções por ultraprocessados rápidos, baratos e viciantes. Comer mal tem consequências para a saúde.
Há décadas são feitos alertas sobre os riscos da substituição da comida de verdade por produtos ultraprocessados, pobres em nutrientes e ricos em gordura, sal, açúcar e aditivos. Esse padrão alimentar é um dos principais combustíveis da obesidade e das doenças que dela derivam. E não adianta responsabilizar o indivíduo sem reconhecer o ambiente em que ele vive. Muitas vezes, é um ambiente que estimula o consumo e dificulta escolhas saudáveis.
A responsabilidade de mudar esse cenário é coletiva. As iniciativas da vereadora Michelly Alencar e do prefeito Abilio Brunini têm o mérito de reconhecer que pessoas com obesidade grave não podem ficar esperando por soluções que nunca chegam. Combater a obesidade é mais do que tratar um corpo. É proteger vidas de doenças evitáveis e dar dignidade a quem precisa de ajuda. O câncer, silencioso e implacável, muitas vezes começa com escolhas cotidianas que parecem pequenas. Tratar essas escolhas como parte de uma política de saúde é, antes de tudo, um dever.
Carlos Aburad
Opinião
*Carlos Aburad é médico patologista do CPC Aburad Diagnóstico.