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Artigo

A Urgência da Vida

23 de Fevereiro de 2022 as 16h 48min

Arquivamos um procedimento administrativo. Foi aberto para apurar situação de vulnerabilidade de uma senhora idosa.

Recebemos uma mensagem via aplicativo WhatsApp, relatando que uma idosa, com 79 (setenta e nove) anos, residente na Rua Sem Nome, na cidade Nenhuma, que possuía dois filhos adultos, casados, e netos, residentes em outra cidade Anominada, encontrava-se vivendo sozinha, sem cuidados e que não possuía condições físicas e psicológicas para continuar vivendo solitária.

O arquivamento não foi consequência da resolução da situação ou porque não havia nenhuma situação de vulnerabilidade. Ela faleceu, desviveu … partiu.

Um dos filhos nos disse que a morte foi “típica da idade”. A sobrinha ligou informando que sua tia morreu de “desgosto”.

A brutalidade dessa perda absoluta, desse nunca mais, me fez lembrar que temos muitas cosias escondidas que precisamos escancarar. E com urgência, já que o tempo foge sem parar. E Ricardo Reis lembra que o tempo passa e não nos diz nada.

Em nossas casas, o estigma da velhice está no isolamento, no abandono e na negligência, por ação ou omissão, da sociedade, do Estado e principalmente da família.

É irônico como os lugares familiares que achávamos sólidos, que nos davam a impressão de eternos, podem ruir, vir a desmanchar.

Temos uma velhice encoberta, às escondidas, renegada à invisibilidade. Uma velhice isolada dentro das casas, solitária, incógnita, que não nos damos conta, que temos dificuldade de proclamar.

Eu a vi no “pra sempre” do falecimento dessa Senhora. Fez-me encontrar. A eternidade pode ser a memória que pegamos dos outros.

Se conseguíssemos dar visibilidade à velhice, ao sentido social dos velhos. Se escutássemos o velho que está dentro de nós, que nos habita; o pai, a mãe, a avó, o avô, amigos e amigas, o senhor(a) da fila do banco, do caixa, o vizinho idoso. Ah! Se, pelo menos, ouvíssemos os livros antigos, os móveis antigos, os segredos antigos.

Ouvi de Rubem Alves que o melhor seria se percebêssemos que o objetivo da vida não é ser útil. Útil é martelo, serrote, vassoura, fio dental, escova de dente. As coisas úteis, quando velhas, ficam inúteis. As pessoas são cheias de eternicidades.

 

*Emanuel Filartiga é promotor de Justiça em Mato Grosso

Emanuel Filartiga

*Emanuel Filartiga é promotor de Justiça em Mato Grosso.