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Artigo

O crânio explodido pelo vulcão

01 de Novembro de 2017 as 13h 04min
Fonte: Cícero Moraes

Em um dia qualquer de novembro, no ano de 79, a tranquilidade dos moradores de Herculano foi quebrada por um dos desastres naturais mais aterradores de todos os tempos… a erupção do vulcão Vesúvio. Sua nuvem mortal alcançou absurdos 30 quilômetros de altura, destruindo tudo em um raio de vários quilômetros, inclusive a ilustre vizinha Pompeia. Com o início dos trabalhos de escavação nestas duas cidades, no ano de 1738 veio à tona não apenas as construções, mosaicos e belezas daquelas paragens, mas um elevado número de corpos, de todas as idades e condições sociais.

 

Esse episódio está escrito em vários livros de história e também povoa o imaginário popular. Em 2014 o evento foi ilustrado no filme Pompeia e mesmo com a hiperbólica produção típica da sétima arte, voltou à mesa dos debates expondo como a Terra costuma ser eventualmente hostil com os seus habitantes. Esse terror tem ao mesmo tempo, nos assustado e fascinado durante séculos.

 

No primeiro semestre de 2017 fui procurado pelo Sr. Gianfranco Quaranta, um italiano especializado em digitalização 3D. Ele acompanhava os meus trabalhos de longa data pelo Facebook e, sabedor dos meus conhecimentos em reconstrução facial digital, me apresentou um crânio bem interessante. Esse crânio, explicou ele, passou por um processo de superaquecimento e explodiu! Fiquei muito curioso em relação ao evento que provocou aquilo, daí ele me revelou que se tratava de uma vítima do Vesúvio. Era um homem no alto dos seus 50 anos, morador de Herculano, uma cidade menor, porém mais rica e próspera que Pompeia.

Os pedaços do crânio foram recolhidos e montados por um especialista até recuperar a sua forma original. Fiquei intrigado... como deve ter esquentado as coisas para chegar ao ponto de explodir um crânio! Na minha cabeça, eu imaginava que as vítimas todas morreram como aqueles corpos preenchidos por gesso, em uma posição muitas vezes digna, como se tivessem aceitado a morte e o fizeram de modo que dormissem e os seus sonhos durassem uma eternidade. Vendo aquele crânio rompido por uma explosão foi inquietante, era algo oposto ao que as estátuas de gesso me mostraram durante tantos anos.

 

Concordamos em apresentar o resultado durante o Summer School 2017, um evento idealizado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Com a data definida, me coloquei a trabalhar, reconstruindo o rosto daquele senhor que tivera uma morte tão aterradoramente atípica. Além de apresentar a face em uma conferência acadêmica, fechei com uma agência de notícias inglesa a exclusividade de uma matéria que tornou a revelação um acontecimento internacional. Tudo correu como o esperado, a face foi apresentada, as matérias publicadas e mais um trabalho entrou para o meu curriculum.

 

O que pouca gente sabe, é que bem antes de ser procurado pelo Gianfranco, eu havia tentado sem sucesso reconstruir a face de uma vítima do Vesúvio. Tentei de várias formas contactar os responsáveis pelas escavações, colocando-me à disposição para efetuar o trabalho. Usando uma analogia futebolística, os chutes, ou passavam longe do gol, ou batiam na trave. Parecia que jamais teria sucesso nesse meio, mas mesmo assim não desisti. Por falta de esforço não foi, finalmente esse mesmo esforço, efetuado de modo indireto acabou desencadeando o processo que culminou na reconstrução do rosto do Homem de Herculano. Muitos dirão que foi sorte… de fato, uma ínfima parte, aquela relacionada com o meu desejo de reconstruir um rosto específico, mas, majoritariamente foi fruto de um trabalho disciplinado, constante e focado.

 

Grato pela leitura, nos vemos na próxima semana!

Cícero Moraes

Diário de Blender