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Artigo

Bolsonaro, venha de máscara

17 de Setembro de 2020 as 18h 19min

Eu sei presidente que você já pegou essa “gripezinha” e que não lhe falta cloroquina. Mas como um jornalista campesino do interior, lhe advirto: venha de máscara presidente.

A recomendação pode parecer óbvia, em tempos de pandemia, mas não é só disso que se trata. Embora habite Brasílias há bastante tempo – e portanto está acostumado com as agruras do clima seco – temo que seu fôlego de atleta pene durante sua passagem em Sinop. Dos 4 presidentes que por aqui já passaram, o senhor deve ser aquele que menos terá ar puro para respirar.

Você chegará pelo Aeroporto João Batista Figueiredo, o último general militar que presidiu o Brasil entre 1979 e 1985. Figueiredo conheceu Sinop, literalmente, quando tudo era mato. A população local ficou tão feliz com a visita presidencial que ergueu um restaurante para recebe-lo – embora tal prédio histórico tenha sido criminosamente derrubado há 7 anos, sem que uma resposta a altura fosse dada.

Figueiredo veio a Sinop 3 vezes, sendo duas como presidente e uma após deixar o cargo. Teve ar puro e perfumado em suas passagens. Primeiro porque a transformação da floresta em campo ainda estava no embrião. Segundo porque a aglomeração em sua volta era de muito melhor qualidade. Em uma das suas passagens foi rodeado pelas mulheres da cidade, que com lenços brancos na mão pediam ao presidente que fizesse chegar a televisão – mesmo que fosse a Globolixo. Elas queriam poder ver novela, veja só.

O pai do Real também passou por Sinop. Itamar Franco veio a Sinop em 1994, na pré-campanha presidencial, trazendo consigo o seu super Ministro Fernando Henrique Cardoso. Além da campanha política, Itamar veio para anunciar a construção da linha de transmissão de energia – o famoso “Linhão”. É difícil de imaginar, mas essa região durante 2 décadas cresceu na base da luz com óleo diesel.

Em 1996, com o linhão pronto, FHC voltou à Sinop. Além de ligar a rede, o presidente tucano prometeu dinheiro – na segunda-feira seguinte, para duplicar a BR-163 no perímetro urbano. Também nasceu naquele dia a promessa de fazer a BR-163 até Santarém, no Pará, conectado o médio Norte do Estado aos portos do Pará. Demorou só 24 anos, mas o governo federal cumpriu.

FHC programou sua visita para outubro – quando já começam cair as primeiras chuvas e o clima fica ameno. Cerca de 7 mil pessoas se reuniram no ato público para saldar o presidente. No local do comício espalharam faixas escrito "FHC2 (ao quadrado), a Fórmula Ideal para o Brasil" – já forçando a barra para mudar a lei e permitir a reeleição. Quando o repórter da Folha de São Paulo (sempre ela), Augusto Gazir, perguntou sobre as tais faixas, FHC disse que não viu porque estava sem óculos – mas ele estava de óculos e o discurso que leu está até hoje arquivado na biblioteca da presidência.

Por fim, Dilma passou por Sinop em fevereiro de 2014. Época boa, de chuva e clima fresco. Ela desceu do avião, falou com a meia dúzia de apoiadores que lhe restavam em Mato Grosso e partiu para Lucas do Rio Verde.

Mas Bolsonaro decidiu vir em Sinop em setembro. Nenhuma gota de água cai do céu por aqui desde junho. Hoje, quinta-feira (17), a umidade do ar está na casa dos 10%. Há 3 dias eu não vejo direito o sol na minha cidade. A fumaça tão presente nesta semana me faz lembrar de quando cheguei em Sinop, em 2003, um ano antes da famosa operação Curupira. Eram tempos de dólar alto, indústria madeireira a todo vapor e do irrefreável avanço da soja. No comando do Estado tinha o maior sojicultor do mundo que ganhou uma motosserra de ouro como símbolo do desmatamento. Ele foi muito querido por aqui Bolsonaro, assim como o senhor é.

Então, para não depender apenas do seu fôlego de atleta – e não dar pinta que Covid-19 deixa sequelas – venha de máscara. Uma máscara boa, que seja capaz de melhorar a qualidade do ar que respira. Se a fumaça não for problema suficiente para o senhor, presidente, lhe garanto que o EPI pode lhe proteger da avalanche de políticos. Tem um monte “líderes”, de veterano a aspirantes, querendo grudar no senhor. Também haverá o calor de outras pessoas do povo, que o idolatram – mesmo sem televisão, linhão ou BR. Eles gostam do senhor pelo símbolo que representa e pelo que defende.

Arrisco dizer que a imprensa não será um problema nessa sua passagem. Certamente haverão faixas malcriadas e gente disposta a brigar por causa disso. Se alguém lhe perguntar a respeito, diga que não viu por causa da fumaça. Ou que a máscara acabou tapando seus olhos.

Por aqui a gente não acha ruim presidente que não enxerga longe.

Jamerson Miléski

O Observador