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A aplicação das regras de transição do novo Código Florestal pelos tribunais superiores

27 de Agosto de 2020 as 09h 35min

Há um nítido benefício mútuo que está sendo estabelecido tanto para os produtores rurais quanto para o meio ambiente

 

Regras de transição são os institutos de direito criados pelo legislador quando da edição de uma nova normativa. Visam conferir segurança jurídica aos atos emanados e precipuamente possibilitar a integração da Lei anterior junto à superveniente.

No espeque, na Lei 12.651/2012, atual Código Florestal, foram criadas algumas regras de transição para evitar ônus excessivo e mudança drástica em relação à legislação anterior, sendo o tema mais discutido o atinente à consolidação de imóveis rurais.

Em resumo, foi estabelecido no Código Florestal atual que as propriedades rurais alvo de ocupação antrópica (desmate e implementação de atividades agrossilvipastoris) em momento anterior a 22/07/2008 poderiam ter o seu passivo ambiental compensado (forma diversa da regeneração do próprio local), facultando ao produtor rural que continuasse a cultivar o solo enquanto adotasse uma das alternativas estabelecidas (artigos 59 e 66, da Lei).

Além disso, para os pequenos proprietários rurais (aqueles que possuem imóveis com área total inferior a quatro módulos fiscais) foi estabelecida a isenção do dever de recompor o passivo ambiental, desde que possuam atualmente a mesma quantia de área de reserva legal preexistente em 22/07/2008.

É esta mesma regra (consolidação no uso alternativo do solo preteritamente a 22/07/2008), entretanto, que causa ampla divergência hermenêutica entre os Julgadores das instâncias inferiores e superiores.

No início do ano de 2018, por meio do julgamento da ADI 4903 e da ADC 42, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade de diversos dispositivos do Novo Código Florestal e, entre eles, das regras de transição aplicáveis aos imóveis rurais consolidados.

Porém, no período subsequente, tanto o próprio Supremo Tribunal Federal, quanto o Superior Tribunal de Justiça, proferiram diversos julgados mitigando a aplicação das regras de transição, ensejando ônus excessivo e desproporcional ao proprietário de terras.

Isto é, afastava-se a possibilidade de o produtor rural adotar as alternativas da legislação nova para regularizar o seu passivo ambiental e contribuir ainda mais com o meio ambiente.

Não obstante, embora ainda existam alguns julgados contrários, há uma recente tendência do Superior Tribunal de Justiça em reconhecer as regras de transição (sobretudo a do art. 66, da Lei 12.651/2012) no sentido de possibilitar a aplicação imediata da legislação atual, considerando a inserção da retroação intencional. Cito como exemplo:

“(...) 8. O art. 66 daquele diploma, ao prever hipóteses alternativas para a regularização de área de reserva legal, já traz em seu texto a possibilidade de retroação da norma, pelo que não há como afastar sua aplicação imediata. (...)” (REsp 1646193/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/05/2020, DJe 04/06/2020)

E, ainda, no âmbito do Supremo Tribunal Federal foi reconhecida a vigência e aplicabilidade do Novo Código Florestal, ante à expressa declaração de constitucionalidade. Vejamos:

“(...) Com efeito, após o pronunciamento definitivo da Suprema Corte sobre o tema, não é cabível negativa de aplicação do art. 62 da Lei 12.651/2012 pelos órgãos do Poder Judiciário ou pela administração pública, tendo em vista o disposto no art. 102, § 2º, da Constituição Federal, segundo o qual “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. “ Contata-se, assim, que o acórdão reclamado, ao afastar a aplicação do art. 62 da 12.651/2012, deixou de observar a autoridade das decisões desta Corte proferidas em sede de controle concentrado. (...)” (Reclamação 38764, Rel. Ministro EDSON FACHIN, julgado em 28/05/2020, DJe 17/06/2020)

Ou seja, há a atual e congruente formação do entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça para o reconhecimento da aplicação imediata das regras de transição previstas no Novo Código Florestal.

Esta situação pode e deve gerar maiores benefícios aos produtores rurais do País, haja vista que as regras de transição do Novo Código Florestal foram criadas justamente para estabelecer um elo entre a produção e a proteção do meio ambiente, estimulando o proprietário de terras a regularizar o seu passivo e, ao mesmo tempo, manter o cultivo do solo.

De logo, não podemos negar a referida intenção, cabendo a nós, como operadores do direito, aplicar a hermenêutica da lei na defesa dos interesses do administrado (neste caso do produtor rural), pois muitas vezes está inserto nela, mas, de oturo lado, a parte benéfica lhe está sendo tolhida.

Registro, de mesmo modo, que não se apregoa aqui a violação dos pressupostos inerentes ao meio ambiente, mas a efetiva aplicação da intenção da lei, justamente pela lógica nela exposada: estimular o proprietário de terras à reparar os eventuais danos ambientais, conferindo-lhe prazo para fazê-lo e, em contrapartida, permitir-lhe o exercício de atividades rurais por meio de diretrizes previamente afixadas.

Assim, pelo contexto normativo atual de vigência e, sobretudo, pelo indicativo de alteração do posicionamento dos Tribunais Superiores quanto às regras de transição do Novo Código Florestal, há um nítido benefício mútuo que está sendo estabelecido tanto para os produtores rurais quanto para o meio ambiente.

 

*Jiancarlo Leobet é advogado e pós-graduando em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Paraná e sócio-fundador da Leobet e Cesa - Sociedade de Advogados

Jiancarlo Leobet

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